No mundo virtual, situações difíceis podem se tornar uma aventura desafiadora e até prazerosa. Com joystick, mouse ou teclado na mão, um paciente com câncer pode se imaginar transportado para a imagem da tela do computador e, como herói do game, usando armas poderosas para destruir células cancerígenas. Isso acontece no jogo em 3D que está sendo desenvolvido para crianças e adolescentes no Brasil, chamado Combate. Inspirado em um modelo similar americano, o Re-mission, o jogo propõe uma viagem fantástica: o paciente é nanorobotizado e injetado no corpo de um paciente com características similares às suas. O jogo oferece opções de escolha entre diversos tipos de câncer – os vilões a ser combatidos. No interior do organismo, o paciente, agora transformado em combatente, usará as armas de que dispõe, como quimio e radioterapia, além de medidores de estresse para combater as células neoplásicas.
Com o jogo, a criança com câncer fortalece sua autoestima, pois entende melhor o tratamento |
Especialista em inovações tecnológicas e pesquisa da empresa brasileira Technology & Training Institute (T&T) e coordenadora da criação do game brasileiro, Cristinna Araújo explica que é jogando que o jovem passa a entender exatamente o que acontece em seu organismo. “Esta mistura de realidades pode beneficiar muito o paciente. Ao entender, na brincadeira, como seu corpo pode reagir à quimioterapia e a outras terapêuticas similares, ele também fica mais estimulado a levar adiante o tratamento”, explica.
No jogo, apresentam-se diversos cenários, cada um correspondendo a uma área diferente do corpo, como a corrente sanguínea e os órgãos atingidos pelo câncer, e cada etapa corresponde a uma missão. “Brincando, o paciente recebe uma ampla gama de informações sobre o que se passa com a atuação dos medicamentos.” Apoiado pela FAPERJ por meio do edital Apoio ao Desenvolvimento da Tecnologia da Informação, o jogo é também conhecido como um serious games, pois simula situações reais, com benefícios para os usuários, e está sendo desenvolvido com apoio de dois mestrandos em análise de sistemas da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O que estimulou Cristinna a desenvolver o simulador foram os bons resultados do jogo americano. A pesquisadora afirma que um estudo realizado há cerca de três anos nos Estados Unidos, Canadá e Austrália avaliou 375 adolescentes e jovens adultos com câncer que o utilizaram durante três meses de tratamento. Além de atingir seus principais benefícios – passando a entender melhor o que acontece em seu organismo, os pacientes passam a ter maior crença na possibilidade da cura e maior adesão ao tratamento –, segundo os resultados do estudo, houve ganhos palpáveis: 20% deles mantiveram níveis mais elevados de absorção e retenção dos quimioterápicos no sangue; e 16% apresentaram resultados mais consistentes com o uso de antibióticos em comparação com o grupo controle. “Isso ilustra bem como um ganho psicológico pode favorecer o paciente até mesmo fisicamente”, exclama.
Com acesso a depoimentos de pacientes americanos, Cristinna constatou como eles foram beneficiados. Entre os vários exemplos, a pesquisadora conta que um desses jovens, tendo passado pelo tratamento aos 14 anos, agora com 19, afirmou: “Há uma série de complexas terminologias médicas, difíceis de digerir nessa idade. O jogo convida a compreender que a quimioterapia está fazendo alguma coisa.” E acrescenta: “Quando você passa por tratamento contra o câncer, a quimioterapia torna-se algo de que você tem pavor. Mas, jogando, você passa a se ver lutando ativamente, atirando contra as células do câncer. Então, o pavor vira confiança.” Outra adolescente de 13 anos deixou seu relato: “Eu me imaginava explodindo as células malignas em meu corpo; sentia como se estivesse lutando contra aqueles vilões que me impediam de ver meus amigos e minha família”.
Segundo a pesquisadora, o jogo também traz benefícios a médicos, enfermeiras e parentes dos pacientes. "Com maior adesão do jovem ao tratamento, ficam mais fáceis a rotina e a relação dos profissionais de saúde com o paciente, já que muitas vezes, da rebeldia em tomar a medicação eles passam a aceitá-la. Para os familiares, igualmente importante é perceber no jovem uma mudança de comportamento, ao deixar de lado a apatia da própria condição para adotar uma postura mais otimista, mais combativa em relação à doença. A previsão da T & T é de que o game esteja pronto até o final do ano e seja distribuído em instituições que atendam crianças e jovens com câncer.
Fonte: FAPERJ/ Danielle Kiffer