Elas
existem só ali. Na remota ilha de Trindade,a 1,3 mil km da costa do Espírito
Santo, as trinta últimas aves da espécie Fregata trinitatis procuram por
árvores para se reproduzir.
A ilha também abriga outras espécies de fragata, como a fragata-grande.
Direito de imagem Getty Images (foto)
|
Conhecidas
como fragatas-de-trindade, essas aves marinhas são endêmicas da ilha. Com
apenas 30 indivíduos vivos vivendo na natureza, são consideradas criticamente
ameaçadas de extinção.
Habituada
à vida no mar, a fragata-de-trindade se alimenta de peixes e é capaz de voar
grandes distâncias sem pousar em terra firme. Mas ela não consegue se
reproduzir sem árvores para fazer seu ninho.
Enquanto
procuram um local ideal sob o sol, as aves são observadas pelos cientistas da
UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e do ICMBio (Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade), que sabem que, infelizmente, elas não
vão encontrar árvores por ali.
A ilha
não tem nenhum morador fixo, mas as paradas que os homens fizeram em Trindade
há centenas de anos foram suficientes para acabar com a vegetação do local.
Ao longo
dos séculos, os navegadores que passaram por ali queimaram parte das árvores e
deixaram ratos, cabras e porcos - que não têm predadores naturais na região e
acabaram se multiplicando, comendo e destruindo o resto da vegetação. A ilha
tem 9,2 km².
Espécies invasoras introduzidas por humanos destruíram a vegetação das
ilhas, como se vê na Praia do Príncipe, na ilha de Trindade. Direito de imagem ICMBio
|
A
destruição foi tanta, explica a analista ambiental Patrícia Serafini, do Centro
Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres, que até o solo se
perdeu. Atualmente, a ilha abriga cerca de 130 espécies, entre plantas, peixes,
aves, crustáceos e répteis.
Segundo
ela, com a destruição da vegetação, as aves terrestres que existiam ali acabaram
morrendo por não ter como se alimentar. As espécies terrestres que eram
endêmicas à região foram todas extintas.
"As
aves marinhas, que se alimentam de peixe, conseguiram sobreviver, mas a falta
de árvores ameaça sua reprodução", explica Serafini.
O grupo
de pesquisadores da UFES, do ICMBio e de outras oito instituições estuda como
recompor a vegetação da ilha, mas isso deve levar anos – se depender apenas
disso, até a mata nativa estar recuperada, todas as fragatas já terão morrido
sem conseguir produzir descendentes.
Reproduzir
os animais em cativeiro não é uma opção.
"Não
tem como mantê-las em laboratório, elas não sobrevivem e não conseguem se
reproduzir em cativeiro", explica Serafini.
"Ou
fazemos a fragata voltar a se reproduzir em seu ambiente natural ou a espécie
vai entrar em extinção."
Ninhos
artificiais
A última
esperança dos pesquisadores é tentar estimular as fragatas a se reproduzirem
com a criação de postes que imitam árvores e têm ninhos artificiais.
Alguns dos ninhos terão também aves empalhadas para estimular as
fragatas-de-trindade reais a usá-los. Direito de imagem Patrícia Serafini
|
O
projeto, criado pela UFES e o pelo ICMBio com o apoio da Fundação Grupo
Boticário de Proteção à Natureza, desenvolveu ninhos especialmente adaptados
para as fragatas-de-trindade. Alguns deles têm até réplicas de aves e sons dos
bichos se acasalando - a ideia é estimular a reprodução.
Os ninhos
artificiais terão a base de metal e uma plataforma onde as aves podem pousar e
trazer seus próprios gravetos. Eles também usarão réplicas - aves
taxidermizadas - para tentar atraí-las.
"A
ideia é que as aves ouçam os sons, se sintam atraídas, cheguem perto para
investigar o que está acontecendo e percebam que podem se reproduzir ali, até
que tragam elas mesmas seus gravetinhos", explica Serafini.
Os
pesquisadores testaram vários protótipos feitos de diferentes materiais até
chegar no modelo final, que está sendo testado no Rio Grande do Sul antes de
ser levado para Trindade.
"Tivemos
que encontrar uma estrutura capaz de sustentar uma plataforma e resistir aos
fortíssimos ventos da ilha", afirma a ambientalista.
Os
biólogos ainda não sabem se os ninhos cumprirão sua função. Outras iniciativas
do tipo já tiveram sucesso no mundo – a bióloga Elizabeth Schreiber fez um
trabalho bem-sucedido com ninhos artificiais para outras espécies de fragata no
Pacífico – mas o projeto em Trindade é a primeira tentativa de fazer isso no
Brasil.
"Precisávamos
de uma estratégia rápida. Essa pode ser a última chance dessa espécie",
diz Serafini.
Outras
espécies, como a noivinha, a fragrata-grande, o atobá-de-pé-vermelho e a
petral-de-trindade também serão ajudadas pelo programa.
Recuperar as
ilhas
A ideia é
manter as espécies vivas enquanto ornitólogos, botânicos e outros cientistas
trabalham na recuperação da flora local, com a transposição de mudas para as
ilhas.
Os ninhos artificiais estão sendo testados no Rio Grande do Sul antes
de serem levados para a ilha de Trindade. Direito de imagem Leandro Bugoni
|
Segundo
Serafini, as cobras foram retiradas da região em 2005, mas outras espécies
invasoras ainda são um desafio. Os ratos, por exemplo.
"É
preciso analisar o impacto que eles têm, pode ser que estejam comendo as
sementes das plantas, por exemplo. Nesse caso teríamos que pensar em como
erradicá-los, o que não é uma tarefa fácil", diz a ambientalista.
O
processo é lento. "É preciso analisar o que tem que ser feito, onde a
vegetação está conseguindo se recompor. Depois é preciso recompor o solo para
que flora possa crescer."
Se tudo
der certo, o trabalho com as aves vai ajudar nisso: as fezes dos animais no
chão da ilha ajudam a adubar.
"Queremos
recriar um ciclo positivo, em que as aves ajudem a manter as mudas e as novas
árvores permitam que haja mais árvores."
Para uma
recuperação total, também é preciso proteger a vida marinha de pesca ilegal ao
redor das ilhas - o arquipélago é hoje uma área de proteção ambiental, com a
pesca proibida em berçários de animais marinhos.