O analista do Kings
College Fellipe Gracio em seu artigo “Scientists can’t claim to be neutral
about their discoveries”publicado no “The Conversation” nos brinda com
uma reflexão de visceral importância sobre a ética aplicada às pesquisas.
Nesse artigo ele
questiona o quanto de isenção um cientista pode alegar, quando por fim suas
descobertas são mal aplicadas e podem representar um perigo para a humanidade.
Essa sensação
persegue a história humana, desde que inventos magníficos como o navio, o
automóvel e o avião, foram transformados em máquinas de guerra.
Ou mesmo ante as
brumas radioativas de Hiroshima e Nagasaki — Oppenheimer — o pai da bomba
atômica — num discurso emocionado se autodenominar “a morte, o destruidor de
mundos”.
Isso apenas para
citar alguns poucos exemplos.
À medida que a
pesquisa científica afeta o mundo convém ficarmos de sobreaviso.
Isso por que a
ciência é feita por pessoas.
Detonação de uma Bomba Nuclear - Seus efeitos são duradouros |
E todas as pessoas,
mesmo sendo cientistas, possuem interesses, intenções e ambições.
Para agravar esse
quadro, a ciência é financiada por governos e por empresas — cujas políticas
podem nem sempre visar o bem comum – entendendo essa expressão, em seu sentido
mais amplo como sendo o bem, em sua essência, estendido para toda a humanidade.
Fica cada vez mais
claro que pesquisa científica atual, em seus passos mais decisivos, está
condicionada às regras de financiamento, às expectativas sobre seus resultados
e às forças sociais e de instituições que moldam seus rumos.
Ora vejamos:
·
Ninguém investe sem a expectativa de ganhar dinheiro com seu
investimento;
· Mesmo moralmente condenadas, a ambição e a ganância continuam a ditar as
regras do mercado também no século XXI.
Ou não?
Na década de 1950,
quando Jonas Salk — um dos cientistas que participou do desenvolvimento da
vacina contra a poliomielite — foi questionado sobre se ele patentearia a
vacina. Ele respondeu com outra pergunta:
— Você poderia
patentear o sol?
Em outras palavras:
Pode um cientista
propor ou aceitar a privatização de um conhecimento que beneficiaria a todos?
Existem duas linhas
de pensamento sobre essa questão:
O primeiro viés
advém de empresas (e de governos) que comercializam ciência e tecnologia e são
detentores de muitas patentes.
Seu principal
argumento pode ser assim resumido:
Como o investimento
em programas de pesquisa científica é extremamente oneroso, tanto para empresas
quanto para nações é natural oferecer garantia para os investidores de que
ocorrerá o retorno desses investimentos. E tais garantias passam
invariavelmente pela reserva de mercado e obviamente a privatização das
descobertas, protegidas por leis de propriedade intelectual.
O argumento
contrário à privatização dos resultados aponta que a restrição do uso de muitas
descobertas atrapalha o aperfeiçoamento da própria descoberta, além de reprimir
a inovação e o desenvolvimento de novos produtos.
Além de que, ao
negar o benefício a outro ser humano se estaria também praticando uma forma de
desumanidade.
Por exemplo,
A indústria
farmacêutica Novartis tentou bloquear recentemente a fabricação na Índia de um
medicamento genérico aplicado na terapia do câncer.
Joseph Stiglitz,
prêmio Nobel de Ciências Econômicas, tem uma posição radicalmente contra as
leis de propriedade intelectual.
Ele enfatiza que
essa prática visa apenas garantir lucros exorbitantes para as desenvolvedoras,
que por congelamento do desenvolvimento científico, certifica-se de não haver
concorrência.
Pela lei dos
mercados é fácil observar o que se resulta de um monopólio, seja em que área
for.
Ele dá o exemplo da
Myriad Genetics, uma empresa que alegou propriedade intelectual sobre genes
humanos.
Este é um exemplo
extremo, mas suas observações são amplamente aplicáveis .
Ele explica que,
neste caso:
Geneticistas têm argumentado
que o registro de patentes sobre os genes realmente tende a impedir o
aperfeiçoamento de vários testes genéticos (como prevenção de doenças
genéticas, por exemplo) , e de modo geral, interferir com o avanço da própria
ciência .
Todo o progresso
científico é fundamento em conhecimento. Ao tornar-se esse conhecimento menos
disponível impede-se o progresso, ou na melhor das hipóteses, torna-o menos
imediato.
É fácil observar
que o cientista está no centro deste processo e ele não pode mais se furtar das
questões éticas envolvidas em seu trabalho.
Não pode mais
evadir-se das questões pertinentes sobre a natureza do progresso científico,
sobre as decisões de financiamento de suas pesquisas, ou quais forças estão por
trás dos ditos investidores e quais são os interesses que servem.
Eu mesmo, não canso
de repetir para meus alunos, que nossas decisões sobre as nossas carreiras
afetam não só nossas vidas, mas também a dos que nos cercam.
Eu como cientista
não posso alegar neutralidade em questões como esta.
Nenhum cientista
pode.
E se Jonas Salk
tivesse decidido trabalhar para uma empresa farmacêutica e patenteasse a vacina
contra a poliomielite? Quantas pessoas morreriam, ou teriam sequelas por toda a
vida?
Considere-se uma
questão relevante para o futuro:
Se uma vacina
contra a malária ou contra AIDS fosse desenvolvida, deveria ser protegida por
registro de patentes, de tal forma que os preços desse monopólio maximizassem
sua receita, mas não seus resultados na saúde pública?
De modo mais geral:
os cientistas podem realmente justificar os resultados previsíveis dos projetos
em que estão envolvidos?
O que deve ser
feito, então, para maximizar o benefício da ciência visando o bem comum?
Para começar,
podemos educar os cientistas e também fiscalizá-los.
E para isso é
necessário que o cidadão busque inteirar-se do que vem a ser ciência e de qual
é o real trabalho do cientista.
É preciso que cada
um busque entender as decisões tomadas tanto pelos cientistas quanto pelas
instituições de pesquisa e querer fazer parte delas.
É legítimo e
necessário pedir aos cientistas e aos acadêmicos, e também às instituições, que
justifiquem o uso que dão aos fundos de investimentos em pesquisa;
É justo fiscalizar
as ações privadas e públicas nos programas sociais, e debater as prioridades
políticas na esfera pública.
E também submeter
as decisões sobre a investigação científica e suas metas de trabalho ao
escrutínio da sociedade.
A ciência é uma força
incrivelmente poderosa que consome uma grande quantidade de recursos, por isso
precisamos ter certeza de que está sendo orientada numa boa direção e parta tal
é necessário que cada cidadão procure cumprir com o seu papel.
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