Agentes de saúde aplicam inseticidas contra o mosquito transmissor do zika no Sambódromo, no Rio de Janeiro |
O Brasil
deve se preparar para que o zika vírus se torne uma doença endêmica tanto em
território nacional como em outros países de América Latina, em um cenário
semelhante ao que ocorre com a dengue - que desde os anos 1990 teve o número de
casos multiplicados na região.
O aviso
vem de cientistas ouvidos pela BBC Brasil para analisar os possíveis
desdobramentos no surto que já atingiu mais de 20 Estados brasileiros e pelo
menos duas dezenas de países no continente. Entre eles o entomologista e médico
Andrew Haddow, neto de Alexander Haddow, um dos três cientistas que em 1947
isolaram pela primeira vez o zika.
A
projeção é de um cenário preocupante diante da possível relação do zika com os
4 quatro mil casos sendo investigados de possível microcefalia no Brasil.
Para os
especialistas, o país apresenta condições ideais para uma proliferação ainda
maior do vírus do que a registrada até agora.
O
principal fator é a resistência do Aedes aegypti, o mosquito transmissor
da doença, e que voltou a infestar centros urbanos no Brasil depois de duas
vezes erradicado nas últimas décadas.
Dados do
Ministério da Saúde mostram o avanço dengue no país. Foram 40 mil casos
registrados em 1990. No ano 2000, o total saltou a mais de 135 mil casos, e
superou 1 milhão em 2010. Em 2015, foram mais de 1,5 milhão de casos.
A segunda
questão é o fato de que a população brasileira não tem o organismo
"preparado" para um vírus que, até o atual surto, não tinha sido
registrado fora de países de África, Ásia e Oceania.
“População inocente”
"A
velocidade transmissão do zika no Brasil não é surpresa porque o vírus tem o Aedes
aegypti como o principal vetor de transmissão, e o país tem o que se pode
chamar de 'população inocente', que não não foi anteriormente exposta.
Parece-me bastante improvável que o Brasil e outros país da América Latina
afetados livrem-se do zika, que tende a se tornar endêmico na região",
afirmou Haddow, em entrevista por telefone, à BBC Brasil.
Uma
endemia se refere a uma doença típica e frequente em uma determinada região,
por vezes em algumas épocas do ano.
Haddow, que trabalha como pesquisador da Divisão de
Virologia do Departamento de Defesa dos EUA, classificou o surto brasileiro
como um "grande alerta" para necessidade de mais estudos sobre o
zika, em especial por causa da possível correlação do vírus com a má formação
em bebês.
Em 2012,
o cientista fez uma apresentação em uma conferência virologistas nos EUA em que
argumentou que o vírus estaria prestes a se espalhar.
"Estava
claro que havia a possibilidade de uma distribuição geográfica ainda maior do
que apenas a África e a Ásia, mas acredito que muitos casos de zika, inclusive
no Brasil, tenham sido diagnosticados erroneamente como dengue por causa dos
sintomas semelhantes entre as duas doenças. Os casos de microcefalia no Brasil,
ainda que não tenham sido definitivamente provados como consequência do zika,
mudarão esse cenário", completou o americano.
“Endêmica e epidêmica”
A
epidemologista Jane Messina, da Universidade de Oxford, coautora de um estudo
de 2013 sobre o risco de contração de dengue no Brasil durante os meses da Copa
do Mundo, também projeta um quadro de expansão do zika em território
brasileiro. "Não vejo razão que para que o surto seja diferente do que
aconteceu com a dengue no Brasil, ainda que conheçamos pouco sobre o vírus e
seja um pouco cedo para se especular".
Soldado do Exército inspeciona caixa d'água no
Recife. Ação das autoridades foi elogiada por especialista americano
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Messina
também adota essa cautela para discutir as possíveis implicações para mulheres
brasileiras e latino-americanas grávidas ou que pensem em engravidar. "Não
há solução simples. Além da diminuição da população de mosquitos, tudo o que se
pode fazer é seguir as orientações das autoridades nacionais e internacionais
de saúde. E avaliar os riscos", completou a epidemiologista.
O diretor
da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan,
Alexander Precioso, também prevê um cenário de zika endêmico.
"O
vírus é muito recente. A maior parte da população não está imune, ou seja, é
suscetível ao zika. Vivemos hoje com o mosquito disseminado por todo o país e,
mais, pelas Américas. O número de casos vai aumentar progressivamente. Há uma
situação ideal para a doença ser endêmica e epidêmica", alerta.
Desconhecimento
O que
piora a situação é o desconhecimento dos cientistas a respeito do vírus. Não se
sabe, por exemplo, se uma pessoa que contraia o zika ficará imune. Também não
se pode prever se o virus sofrerá mutações.
"Evolução
vale para todos os organismos", alerta Precioso. "Basta ver o
influenza (vírus da gripe), que demanda uma vacina diferente todo ano".
O
pesquisador do Butantan lembra que nem sequer é possível estabelecer com
certeza uma relação direta entre o zika e os casos de microcefalia.
"A
hipótese é forte, mas ainda não há uma comprovação (científica). Assim como
ainda não se sabe se há tranmissão por contato sexual", diz.
O
americano Haddow elogiou os esforços do Brasil em intensificar as campanhas de
combate ao Aedes aegypti, incluindo a mobilização de milhares de homens
das Forças Armadas.
Olimpíada
"Na
minha opinião, as autoridades brasileiras até reagiram rápido, pois o zika nas
últimas décadas tinha sido ignorado pelas principais autoridades. O que se pode
fazer agora é tentar reduzir as chances de contágio".
O
americano, no entanto, não acredita que a Olimpíada deva ser simplesmente
classificada como "de risco".
"As
pessoas viajam para outros lugares do mundo onde há doenças graves transmitidas
por mosquitos, como a malária. Há vírus em outros lugares do mundo que não o
Brasil. O surto de zika serve para mostrar como a globalização e as mudanças
climáticas estão criando condições para a propagação de doenças ao redor do mundo",
finalizou Haddow.
Fonte: BBC Brasil em Londres
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