Assim
cientistas imaginam que a Terra fosse antes do surgimento do oxigênio.
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Se
você pudesse construir uma máquina do tempo e voltar ao passado distante da
Terra, teria uma surpresa desagradável: não seria possível respirar. Sem a
ajuda de equipamentos, você asfixiaria em questão de minutos.
Isso
porque durante a primeira metade da vida de nosso planeta não havia oxigênio na
atmosfera. O gás tão fundamental para a vida como conhecemos surgiu há apenas
cerca de 2,4 bilhões de anos.
O
"Grande Evento da Oxidação" foi uma das coisas mais importantes a
acontecer neste planeta. Sem ele, jamais poderia haver animais respirando
oxigênio, como insetos, peixes e, certamente, humanos.
Tapetes
Por
décadas, cientistas trabalharam para entender como e por que o oxigênio surgiu.
E eles suspeitam que a própria vida foi responsável por criar o ar que
respiramos.
As
mais recentes descobertas sugerem que a vida passava por uma tremenda
transformação antes da "Grande Oxidação". Um salto evolucionário que
ajuda a explicar o que conhecemos hoje.
Formada
há 4,5 bilhões de anos, a Terra, na época da Grande Oxidação, já era habitada.
Mas apenas por organismos unicelulares. Não está exatamente claro quando a vida
começou no planeta, mas os fósseis mais antigos desses microrganismos datam de
pelo menos 3,5 bilhões de anos atrás. Isso sugere que a vida já existia na
terra há quase 1 bilhão de anos antes da "Grande Oxidação".
A
grande oxidação transformou para sempre a vida na Terra.
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Essas
formas de vida simples são as grandes suspeitas do surgimento do oxigênio. Um
grupo em particular se destaca: as cianobactérias. Esses microrganismos hoje em
dia são conhecidos por formar "tapetes azuis ou verdes" em lagos e
oceanos.
Suas
ancestrais inventaram um truque que se tornou adotado por muitas outras
espécies. Desenvolveram uma forma de tirar energia da luz do sol e usá-la para
produzir açúcares da água e do dióxido de carbono.
O
processo é conhecido como fotossíntese e hoje é a forma como todas as plantas
do mundo de alimentam. Aquela árvore na esquina de sua casa está usando o mesmo
processo químico desenvolvido por cianobactérias há bilhões de anos.
Do
ponto de vista das bactérias, fotossínteses têm uma inconveniência: produzem
oxigênio como dejeto. O gás em nada serve para elas, que então o liberam para o
ar. Sendo assim, a explicação para a "Grande Oxidação é simples":
cianobactérias bombearam oxigênio "rejeitado" para a atmosfera,
transformando a Terra.
Mas
se isso explica por que surgiu o oxigênio em nosso planeta, ao mesmo tempo não
explica quando. Cianobactérias já habitavam a Terra bem antes da "Grande
Oxidação", segundo especialistas. "Elas estão provavelmente entre os
primeiros microrganismos que tivemos neste planeta", diz Bettina
Schirrmeister, da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Cientistas
afirmam que já havia cianobactérias há pelo menos 2,9 milhões de anos, devido a
evidências da existência de "bolsões" isolados de oxigênio. Isso
significa que as cianobactérias já bombeavam o gás pelo menos meio bilhão de
anos antes de ele surgir na atmosfera. Como?
Uma
explicação é que uma série de elementos em volta - possivelmente gases
resultantes da atividade vulcânica - reagiram com o oxigênio e o
"eliminaram". Schirrmeister, porém, afirma que pode ter sido uma
questão de eficiência na produção das cianobactérias. "Alguma inovação
evolucionária nas cianobactérias as ajudou a ter mais sucesso e importância no
ecossistema".
Existem
diversos tipos de cianobactérias.
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Algumas
cianobactérias mais modernas fizeram justamente isso: enquanto a vasta maioria
das bactérias é unicelular, as cianobactérias são multicelulares. Células
individuais se uniram para formar filamentos, como vagões de trem.
E
vão além: algumas produzem células especializadas, uma versão simplificada do
que acontece, por exemplo, com animais, que têm células especializadas para
músculos, nervos e sangue.
Descendentes
Schirrmeister
acredita que a multicelularidade pode ter sido um marco para os antepassados da
cianobactérias, oferecendo vantagens. Nos anos mais primitivos da Terra,
organismos unicelulares viviam em camadas lamacentas, que os cientistas chamam
de tapetes.
Em
cada um desses tapetes poderiam estar diversos tipos de cianobactérias junto
com vários outros vizinhos. Uma cianobactéria multicelular teria uma vantagem
clara para rivais: mais facilidade para se prender a rochas e resistir a
movimentos.
Bactérias
multicelulares modernas também se movimentam por seus tapetes, o que sugere uma
habilidade também compartilhada com bactérias primordiais. Isso pode ter sido
uma vantagem na luta pela sobrevivência. Em uma época que a terra não tinha a
Camada de Ozônio, o planeta era bombardeado com radiação ultravioleta do sol.
"Em
formações modernas, cianobactérias mudam de posição para se proteger dos raios
solares. As cianobactérias multicelulares podem ter desenvolvido a habilidade
de se posicionar de maneira ideal no tapete".
A
ideia é interessante, mas para isso as cianobactérias tiveram que evoluir para
organismos multicelulares antes da "Grande Oxidação". Schirrmeister
passou os últimos anos tentando determinar quando. A pista está nos genes das
bactérias. Examinando os genes compartilhados por espécies de cianobactérias e
identificando pequenas diferenças entre eles, Schirrmeister construiu uma
espécie de árvore genealógica das criaturas.
Plantas
usam a luz do sol para fabricar açúcares, processo conhecido como fotossíntese.
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A
partir dali, ela concluiu, em estudo publicado em 2011, que a maioria das
cianobactérias modernas descende de ancestrais multicelulares. Isso sugeriu que
a multicelularidade é antiga, mas ainda não havia uma data.
Em
um segundo estudo, publicado em 2013, Schirrmeister argumentou que a
multicelularidade ocorreu pouco antes da "Grande Oxidação", quando as
cianobactérias estavam se diversificando rapidamente. Em um terceiro estudo,
com base em análises de 756 genes presentes em todas as espécies de
cianobactérias, Schirrmeister finalmente estimou que a multicelularidade
ocorreu por volta de 2,5 bilhões de anos atrás - antes da "Grande
Oxidação".
Evolução
Mesmo
que esses resultados sejam confirmados, ainda restam duas grandes questões. A
primeira: a evolução realmente ofereceu vantagens às cianobactérias? Não
podemos saber, mas podemos descobrir por meio de testes com cianobactérias
modernas unicelulares e multicelulares em diferentes condições.
Certos
tipos de cianobactéria se organizam em uma espécie de "barbante".
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A
segunda pergunta é mais complicada: por que as cianobactérias demoraram tanto
para desenvolverem a multicelularidade? Se essa condição lhes dava vantagem,
por que não evoluíram mais cedo e detonaram antes a "Grande
Oxidação"?
"Nosso
próximo passo é descobrir quais genes são responsáveis pela multicelularidade
nas cianobactérias", diz Schirrmeister. Se muitos genes forem necessários
para a mudança, é compreensível que cianobactérias tenham demorado para
evoluir.
Qualquer
que tenha sido a causa, a verdade é que a "Grande Oxidação" foi um
dos mais importantes eventos na história da Terra. Mas não foi uma boa notícia
para todos: na verdade, foi péssima para os então habitantes do planeta.
Animais mais complexos não poderia existir sem oxigênio. |
"O
oxigênio deve ter sido letal para muitos tipos de bactérias e podemos presumir
que houve grande mortandade", explica a cientista.
A
longo prazo, porém, a oxidação permitiu que um novo tipo de vida evoluísse. O
oxigênio é um gás reativo - é por isso que alimenta chamas - e, quando alguns
organismos aprenderam usá-lo, passaram a ter acesso a uma nova fonte de
energia.
Ao
respirar oxigênio, organismos ficaram mais ativos e puderam crescer mais. Ao ir
além da simples multicelularidade desenvolvida pelas cianobactérias, alguns
organismos ficaram mais complexos: viraram plantas e animais, de esponjas e
vermes a peixes. E, por fim, humanos.
Se
Schirrmeister estiver correta, as primeiras cianobactérias multicelulares podem
ter sido o gatilho da evolução da vida mais complexa na Terra.
Nada
mal para um bando de micróbios...
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