Desenvolvidos por
brasileiros, eles matam as larvas do mosquito transmissor da doença e são uma
estratégia promissora para tentar acabar com o vírus.
Feito
com a bactéria BTI, o comprimido é dissolvido na água em que os insetos se
desenvolvem e, em dois dias, é capaz de eliminar todas as
larvas(Thinkstock/VEJA)
Um
simples comprimido, do tamanho de um AAS infantil, pode ser a mais nova e
eficaz estratégia de combate à dengue. Feito com a bactéria BTI (Bacillus thuringiensis), que parasita e mata as larvas do Aedes aegypti, o mosquito
transmissor da doença, ele é dissolvido na água em que os insetos se
desenvolvem e funciona como um poderoso assassino: em dois dias, é capaz de
eliminar todos os bichos. Totalmente desenvolvido em laboratórios brasileiros,
passou por pelo menos oito anos de pesquisas e testes. Em fase de aprovação
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o bioinseticida pode
ser um forte aliado às estratégias de combate não só da dengue, mas também da
chikungunya e da zika, também transmitidas pelo mosquito. O site de VEJA teve
acesso com exclusividade a detalhes do projeto.
Assim
como o desenvolvimento de uma vacina contra a dengue, matar o inseto é uma das
melhores estratégias para tentar acabar com a doença. Isso porque o Aedes foi
moldado pela evolução para ser um inseto urbano, hábil e muito competente para
carregar o vírus, transmitindo-o a até 390 milhões de pessoas anualmente, em todo
o mundo. No Brasil, foram mais de 1 milhão de casos notificados neste ano, de
acordo com o último levantamento do Ministério da Saúde. Até o fim de maio, 377
pessoas morreram de dengue no país, um aumento de 40% em relação ao mesmo
período do ano passado. Sem vacina ou tratamento 100% eficaz até agora, a única
solução é controlar o mosquito. Por isso, eliminá-lo antes que se torne um
adulto capaz de infectar os humanos é uma excelente alternativa.
A
fórmula dos comprimidos, concebida na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e
produzida pela BR3, empresa do Centro de Inovação, Empreendedorismo e
Tecnologia (Cietec) da Universidade de São Paulo (USP), tem a vantagem de
conseguir driblar a resistência do mosquito, um mecanismo muito importante de
sua sobrevivência. Um dos maiores problemas de inseticidas e larvicidas é que
eles agem selecionando as populações de insetos que têm genes potentes o
suficiente para não serem afetados pelo veneno. Assim, ao longo das gerações,
apenas os mosquitos mais fortes sobrevivem e passam seu DNA adiante. Os que
ficam são insetos nos quais os inseticidas não fazem efeito.
A
bactéria BTI, contudo, é capaz de produzir não uma, mas várias toxinas que
afetam o mosquito. A combinação desses venenos é o que impede esse mecanismo de
seleção. O inseto não é capaz de criar mutações que combatam todos eles ao
mesmo tempo. Por isso, o micro-organismo é usado no combate a vetores há cerca
de trinta anos. No entanto, grande parte das fórmulas tem pouca durabilidade ou
um preço elevado. O grande salto dado pelos pesquisadores brasileiros foi
conseguir criar um comprimido que, uma vez misturado na água, permanece ativo
por até dez semanas. Além disso, a bactéria é inofensiva para seres humanos,
animais domésticos e plantas. O larvicida é até indicado para ser usado na tina
de água de gatos e cachorros.
"Estamos
perdendo a guerra contra o mosquito. Mas o novo bioinseticida é uma arma que
oferece sustentabilidade, segurança e praticidade. É fácil de ser usado pela
população e tem grande durabilidade", explica o engenheiro Rodrigo Perez,
diretor da BR3. Assim que o produto receber a liberação da Anvisa, a empresa é
capaz de produzir 200.000 comprimidos mensais, que podem ser usados em
estratégias públicas e particulares de controle da dengue.
Contra
o mosquito - Além do ataque às larvas, os pesquisadores também investem em
mosquitos modificados, incapazes de transmitir a doença. A última descoberta,
feita por pesquisadores americanos, mostrou que é possível "trocar" o
sexo dos mosquitos e, provavelmente, impedi-los de transmitir a doença - apenas
as fêmeas picam e inoculam o vírus em humanos. Os cientistas identificaram o
gene responsável pela determinação do sexo nos mosquitos e agora tentam
transformar as fêmeas em inofensivos mosquitos machos.
Outro
método, desenvolvido na Fiocruz, consiste em soltar mosquitos Aedes que contém
a bactéria Wolbachia, que os impede de transmitir o vírus da doença. Essa
bactéria, que sobrevive no organismo da maior parte dos insetos, não existe
naturalmente no Aedes e, de acordo com os cientistas, não causa efeito no corpo
humano. No entanto, no organismo do Aedes, ela barra a infecção. A ideia dos
pesquisadores é substituir a população de mosquitos do tipo pelos insetos
infectados - o que reduziria drasticamente os casos de dengue.
Uma
terceira estratégia é o uso de mosquitos transgênicos. Produzidos por empresas
de biotecnologia, como a brasileira Moscamed e a britânica Oxitec, esses
mosquitos machos, ao copularem com as fêmeas, geram descendentes incapazes de
chegar à idade adulta. Assim, eles não transmitiriam a doença. A proposta é que
a quantidade de mosquitos seja reduzida nos locais onde esses machos são
soltos. De acordo com um pesquisa publicada nesta quinta-feira no periódico
PLOS Neglected Tropical Diseases, a redução da população de mosquitos na cidade
de Juazeiro, na Bahia, foi de mais de 90%, em consequência da aplicação desse
método.
Vacina
- Por enquanto, não há vacina capaz de combater com eficácia todos os quatro
subtipos da dengue. Mas pesquisadores dos Estados Unidos e de Cingapura
descobriram que um anticorpo humano específico para o subtipo 2 da doença pode
proteger ratos da forma grave do vírus. O trabalho, publicado esta semana na
revista Science, sugere que esse anticorpo pode ser usado na produção de vacinas
que combatam a doença em humanos.
O
trabalho é importante pois a grande preocupação dos cientistas ao desenvolver
uma vacina é eliminar a versão mortal da dengue, que surge principalmente na
segunda ou terceira infecções. Isso acontece porque alguém que tem a doença
pela primeira vez desenvolve células de defesa contra a doença. Se acontecer de
ser picada pelo mosquito uma segunda vez, infectado por outro sorotipo, o novo
vírus que entra no organismo consegue se colar aos anticorpos criados pela primeira
infecção. Assim, o anticorpo funciona como um cavalo de Tróia, levando o vírus
para dentro do sistema imune: a dupla entra com facilidade nas células
imunológicas, que reconhecem o vírus como sendo uma célula de defesa. O
parasita se multiplica rapidamente no organismo, e essa velocidade pode levar à
morte.
Já
há algumas vacinas sendo criadas por laboratórios farmacêuticos e institutos de
pesquisa internacionais. As mais avançadas são as do Sanofi Pasteur, que está
em desenvolvimento há cerca de vinte anos, e a do Instituto Butantan, de São
Paulo, em parceria com o americano National Institutes of Health (NIH, na sigla
em inglês). Outras vacinas estão sendo feitas pelo GlaxoSmithKline, em conjunto
com a Fiocruz, pela Takeda Pharma e pela americana Merck.
AS PRINCIPAIS DÚVIDAS
SOBRE A DENGUE
Como a dengue é
transmitida?
O
vírus da dengue é transmitido pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti. O
inseto, se infectado, introduz o vírus no sangue humano. O Aedes aegypti
contaminado é capaz de passar a doença para tantas pessoas quanto ele picar.
Todos que são picados
desenvolvem a doença?
Não,
nem todas as pessoas picadas pelo mosquito Aedes aegypti desenvolvem os
sintomas da dengue. Se o mosquito não estiver contaminado, consequentemente o
indivíduo também não receberá o vírus e não terá a doença. Além disso, algumas
pessoas infectadas não apresentam sintoma algum da dengue — segundo o
infectologista Ésper Kallás, a medicina ainda não sabe por que isso ocorre.
É possível ser picado
mesmo com roupa?
"O
mosquito que transmite a dengue consegue picar uma pessoa mesmo se ela está
vestida – a não ser que a roupa seja muito grossa, como uma blusa de lã",
explica a infectologista Thaís Guimarães, da Sociedade Brasileira de
Infectologia.
Em qual parte do dia o
mosquito pica mais?
Segundo
Ésper Kallás, infectologista do Hospital Sírio-Libanês, o mosquito transmissor
da dengue tem o hábito de picar com mais frequência no início da manhã e no
final da tarde, mas isso não quer dizer que uma pessoa não possa ser picada em
outros períodos do dia.
Como prevenir a dengue?
Para
evitar a dengue, é preciso combater o mosquito que transmite o vírus da doença.
Isso inclui eliminar focos de água parada e acúmulo de lixo. O uso de
repelentes e produtos químicos que evitam o inseto também ajuda.
Como a doença é
tratada?
Não
há um tratamento específico contra a dengue. O que existe são formas de
combater os sintomas da doença – ou seja, medicamentos que atenuam as dores, as
febres ou terapia intensiva para combater a hemorragia. Formas mais leves da
enfermidade geralmente são tratadas com hidratação e repouso, e sintomas mais
relevantes, com analgésicos e antitérmicos. A internação hospitalar é
necessária em casos mais graves, com hemorragia.
Qual é a diferença
entre a dengue comum e a hemorrágica?
A
dengue é uma doença única. Sua forma hemorrágica ocorre quando o problema
evolui de sintomas leves ou moderados, como febre e dores de cabeça, para
sangramentos, que podem acontecer desde na gengiva até nos órgãos gastrointestinais.
Segundo o infectologista Ésper Kallás, cerca de 1% dos casos de dengue são do
tipo hemorrágico. Os sinais que podem indicar que uma pessoa está com dengue
hemorrágica incluem sangramentos (na gengiva, genitais e nariz, por exemplo),
vômito, dor muito forte de barriga, diarreia persistente, manchas pelo corpo e
tontura.
Por que ter dengue pela
segunda vez é mais perigoso?
Ter
dengue pela segunda (terceira ou quarta) vez é mais perigoso à saúde porque o
risco de a doença evoluir para a forma hemorrágica se torna muito maior.
Segundo a infectologista Thaís Guimarães, quando uma pessoa é contaminada
novamente pelo vírus da dengue, a reação de seu sistema imunológico é muito
mais agressiva e capaz de desencadear esse processo hemorrágico. "Pessoas
com dengue pela primeira vez podem ter dengue hemorrágica, mas isso é muito
raro", diz a médica.
Ter dengue uma vez
deixa a pessoa imune a uma segunda picada?
Não.
Cada pessoa pode apresentar dengue até quatro vezes, que é o número de tipos do
vírus que causam a doença. Quando infectadas por um deles, as pessoas se tornam
imunes a essa variedade do vírus, mas não às outras.
Por quantos dias os
sintomas persistem?
Em
geral, os sintomas duram até uma semana — exceto na forma hemorrágica da
doença. Nesse caso, o tempo em que a doença persiste varia de acordo com o
prognóstico de cada paciente.
Quanto tempo leva para
os sintomas aparecerem?
O
período entre a picada do mosquito transmissor do vírus da dengue e o
surgimento dos sintomas da doença varia entre três e treze dias, em média.
Quais são os sintomas
característicos da dengue?
Os sintomas mais
comuns da dengue clássica incluem febre alta, dores no corpo, de cabeça, atrás
dos olhos e nas articulações, além do aparecimento de manchas pelo corpo. Diferentemente
do resfriado comum, a dengue não afeta o aparelho respiratório do paciente – ou
seja, não provoca tosse ou coriza.
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