Cientistas durante anos acreditaram que todos os lagarto tegu de Muller eram fêmeas - Imagem Sergio Marques de Souza |
A
partenogênese, o fenômeno dos partos virgens no mundo animal, já é conhecida.
Alguns são assexuados e não precisam de machos para engravidar (algumas
espécies de lagarto, por exemplo).
Mas
o que costuma chamar mais a atenção são os casos de animais de espécies que
normalmente se acasalam. E quatro novas instâncias foram descobertas em 2015.
Bicho-pau
Fêmeas
dessa espécie australiana de inseto vão se acasalar quando lhes convier. Elas
também desenvolveram métodos para repelir machos para que também possam de
reproduzir sem interferência.
Um
estudo publicado pela revista científica especializada Animal Behaviour, em
março, sugeriu que não é uma questão de escassez de machos que determina a
partenogênese no bicho-pau, mas que o ato sexual pode ser sofrido para as
fêmeas. Por isso, algumas desenvolveram métodos para lá de criativos para fugir
de machos mais cheios de libido.
Para o bicho-pau australiano, "assédio
sexual" levou à partenogênese -
Imagem Alamy
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Elas
podem exalar um cheiro "antiafrodisíaco", que desestimularia
tentativas de acasalamento. Para lidar com machos insistentes, as fêmeas do
bicho-pau simplesmente dão chutes nos pretendentes.
"Algumas
fêmeas conseguiram deixar de ser atraentes para machos depois de se
reproduzirem de forma partenogênica e essas fêmeas continuando a procriar
especificamente desta maneira", diz o estudo.
Toda
a cria de partenogênese é fêmea, o que pode provocar um grave desequilíbrio
populacional caso as fêmeas sigam em "carreira solo". Mas os
pesquisadores contam que machos ainda conseguem subjugar fêmeas mais do que
serem derrotados.
Cobras
A
partenogênese já foi detectada em diversas espécies de cobras criadas em
cativeiro, mas durante muito tempo acreditou-se que se tratava de algo que
fêmeas faziam quando não havia machos por perto.
Uma
serpente fêmea isolada em cativeiro, sem contato com um macho, é mãe de dois
filhotes. A espécie caiçaca ou jararacão (Bothrops moojeni) vive na Casa dos
Animais Interessantes, do Aquário Municipal de Campinas, e que fica no
Zoológico do Bosque dos Jequitibás. O fato do réptil procriar sem o acasalamento
é raro e a hipótese provável é que ocorreu uma partenogênese, ou seja, uma
reprodução assexuada – algo muito incomum em um vertebrado -, segundo a bióloga
do aquário, Denise Polydoro. Os dois filhotes são sobreviventes de uma ninhada
de 23 ovos dos quais 20 não se desenvolveram (atrésicos). Dos três ovos
restantes, vingaram apenas os dois filhos já que do terceiro ovo o filhote
estava morto. A serpente está em Campinas desde 2006, proveniente do Zoológico
de Sorocaba, também interior de São Paulo. Desde então ela não teve contato com
nenhum outro exemplar de sua espécie. Em janeiro de 2010 a serpente também
chegou a pôr ovos, porém nenhum dos filhotes sobreviveu.
Serpente
fêmea isolada em cativeiro, sem contato com um macho, é mãe de dois filhotes.
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Em
2012, porém, o pesquisador Warren Booth, da Universidade de Tulsa (EUA),
descobriu duas ninhadas selvagens de uma espécie de víboras tinham nascido por
partenogênese.
Foi
a primeira vez que houve documentação deste fenômeno em cobras selvagens e que
não tinham suposto acesso a machos. Uma das cobras sobreviveu e também deu cria
meses mais tarde.
Esta cobra nasceu de um "parto
virgem" - Imagem Kyle Shepherd
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Em
2015, outra equipe de pesquisadores descobriu outra ocorrência entre víboras.
Mas os filhotes não sobreviveram, o que sugere que a partenogênese não é a
forma ideal de reprodução. "Essas cobras são metade clonadas de suas mães,
o que a faz delas altamente inatas. A partenogênese causa muita mortalidade e
falta de desenvolvimento", explica um dos autores do estudo, Mark Jordan,
da Universidade Purdue, também nos EUA.
Jordan,
porém, diz ter evidências de como essa forma de reprodução tem sido fundamental
para a biologia das víboras. "É um recurso que as fêmeas podem usar
periodicamente, em situações em que não há machos por perto, em que as
populações são pequenas ou quando as cobras estão mudando de habitat".
Peixe-serra
O
ano de 2015 marcou a primeira ocorrência de um "parto virgem" em
vertebrados selvagens que nunca tinham sido aprisionados. O animal em questão é
o peixe-serra de dentes pequenos, que nunca tinha sido documentado praticando a
partenogênese.
Partos
virgens já tinham sido vistos em tubarões, que são "parentes" dos
peixes-serra, mas apenas em espécimes cativos. É através de testes genéticos
que se detecta a partenogênese. Segundo um trabalho publicado no Current
Biology em junho, pelo menos sete exemplares saudáveis foram identificados.
Assim como tubarões, peixes-serra também
recorrem à partenogênese - Imagem RD Grubbs
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A
descoberta ocorreu por acaso: populações de peixe-serra estão diminuindo, e
biólogos marinhos estão estudando geneticamente suas populações para entender a
consequência das ameaças de extinção. Os filhotes descobertos eram saudáveis e
seguiam crescendo. O que os pesquisadores ainda não sabem é a razão pela qual a
partenogênese ocorreu entre os peixes.
Especulam
que pode ser uma estratégia para contrabalançar baixos níveis populacionais.
"Se elas não encontram machos, é possível que o mecanismo seja acionado
como um último esforço", explica Kevin Feldheim, do Museu Field de
História Natural de Chicago.
Lagartos
Lagartos
não deveriam estar nessa lista porque já se sabe que são espécies com partos
virgens e assexuados. Não há outra maneira senão se reproduzir sozinho.
Oito lagartos tegu de Miller machos foram descobertos entre 192 adultos encontrados em 34 diferentes locações na América do Sul. |
Mas
a história é mais complicada: o Journal of Herpetology publicou em agosto um
estudo revelando haver machos em uma espécie supostamente toda feminina.
Foi
a primeira vez que um macho desta espécie foi encontrado, e isso sugere que os
tegu também se reproduzem de forma sexual. No entanto, um dos cientistas
responsáveis pela descoberta, o brasileiro Sérgio Marques de Souza, da USP,
conta que as fêmeas partenogênicas não parecem mudar de comportamento.
Oito
machos do lagarto tegu de Miller foram encontrados na América do Sul - Imagem
Sergio Marques de Souza
A
existência de machos, porém, oferece pistas sobre a origem dos partos virgens
entre os tegus. Acredita-se que a partenogênese ocorra em lagartos por meio da
hibridização - quando duas espécies relacionadas se acasalam, resultando em uma
nova. Todas as crias desses híbridos são fêmeas. A descoberta dos machos sugere
que a partenogênese possa ter surgido de pressões ambientais.
Souza
diz ainda que análises revelaram que os tegus estariam praticando a
partenogênese há pelo menos 4 milhões de anos. "Isso contraria estudos
anteriores que propõem a tese de que organismos partenogênicos têm baixa
variação genética e pouco sucesso evolucionário", diz o cientista
brasileiro.
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