A
teoria do desaparecimento dos maias é tema de livros, documentários e inúmeros
debates. Mas há um pequeno problema: não é correta.
Os
maias são a segunda principal etnia indígena do México, depois dos nahuas. Em
Yucatán, Estado no sul do país, constituem 80% da população, e há comunidades
em Belize, Guatemala, Honduras e El Salvador.
São
indígenas como Juan Bautista, que trabalha há 51 de seus 63 anos em um pedaço
de terra que pertence a sua família há várias gerações e onde criou quatro
filhos e três filhas – todos nascidos com parteira – e lhes repassou seus
conhecimentos sobre os ritmos da semeadura e da colheita.
Juan
Bautista se surpreenderia se alguém lhe dissesse que milhões de pessoas pensam
que sua etnia não existe - Imagem BBC
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Juan
Bautista, que compreende o espanhol, mas prefere falar no idioma maia, se
surpreenderia se alguém lhe dissesse que milhões de pessoas pensam que ele e
sua etnia não existem.
O
mito do desaparecimento dos maias é tão grande que quando o novo Museu Maia de
Mérida – capital de Yucatán – fez uma pesquisa sobre esse grupo indígena, a
pergunta que surgia vez por outra era "Por que desapareceram?".
O redescobrimento
O
interesse pela civilização maia ganhou novo vigor nos últimos anos devido a
algumas interpretações apocalípticas de dois de seus monumentos, nos quais se
fala do fim de uma era.
E
com o renovado interesse, ganhou força novamente a lenda de seu
desaparecimento.
Uma
parte fundamental desta lenda é que, quando os exploradores e conquistadores
europeus chegaram à zona maia, encontraram muitos dos assentamentos e antigas
cidades abandonados e em ruínas.
Isso
criou a falsa visão de que o povo maia havia desaparecido sem deixar rastros.
No
entanto, a ideia também parece emanar do momento em que a cultura maia foi
"redescoberta" no século 19 por viajantes europeus como os ingleses
Frederick Catherwood e John Loyd Stephens.
"Eles
veem as maravilhas das cidades maias e se perguntam 'onde estão esses antigos
habitantes?'. E pensam que desapareceram", diz Daniel Juárez Cossio,
funcionário da Sala Maia do Museu Nacional de Antropologia do México.
"Na
minha opinião, é uma falta de interesse em reconhecer as comunidades indígenas
que são as herdeiras de toda essa tradição."
"Degenerados"
Mas
não foram só os visitantes estrangeiros que não reconheceram a existência dos
indígenas.
O
arquiteto e museólogo José Enrique Ortiz Lanz – que projetou o museu de Mérida
– lembra que o destacado intelectual mexicano do século 19 Justo Sierra
O'Reilly dizia que não era possível que uns "degenerados" – como se
referia aos maias de sua época – tivessem construído monumentos tão esplêndidos.
Talvez
por trás do desprezo de Sierra O'Reilly também houvesse temor. Na época – 1847
– começava o que agora se conhece como a "guerra das castas", um
levante de indígenas maias contra brancos e mestiços na península de Yucatán.
Neste
mesmo ano, Sierra O'Reilly viajou aos EUA para pedir ajuda para controlar o
levante armado, ajuda que não conseguiu. O conflito se prolongaria até 1901.
Um pouco de verdade
Mas
o desaparecimento dos maias, como quase toda a lenda, tem um pouco de verdade.
Segundo
Cristina Muñoz, socióloga que faz um trabalho de base com comunidades maias em
Yucatán, "sem dúvida houve uma decadência de algumas zonas".
No
entanto, o que lhe parece assombroso é que tenham conseguido controlar um
território tão vasto – do sul do México ao território atual de El Salvador –
quando não tinham o conceito de monarquia única.
"No
momento da invasão (espanhola), havia 16 senhorios", diz Muñoz.
A
desintegração política é chave, mas Daniel Juárez Cossio acredita que os
motivos da decadência são múltiplos.
"Não
há um só fator. Para explicar em termos atuais, a referência poderia ser a
queda do Muro de Berlim. Isso significou, para o nosso mundo ocidental, o
colapso de certas ideologias, mas aí estão os alemães, os russos, os
americanos…Os sistemas políticos caem por questões econômicas, ambientais,
etc."
E
o tema ambiental parece ter sido chave nesse colapso da civilização maia.
"Fenômenos
naturais como o El Niño não são exclusivos do nosso tempo, são conhecidos desde
a antiguidade", diz.
"Por
exemplo, vemos os estragos que o furacão Sandy provocou em Nova York, apesar de
toda a tecnologia existente e formas de antecipar e mitigar os riscos. Imaginem
um furacão dessas dimensões no mundo pré-hispânico."
Os Bálcãs maias
O
especialista do Museu Nacional de Antropologia faz ainda outra comparação com o
mundo atual: "Os maias eram um povo bélico. Vemos, por exemplo, a
quantidade de emigração provocada pelos conflitos nos Bálcãs. Foi isso que
ocorreu no mundo pré-hispânico, não são fenômenos novos nem diferentes".
Essa
"balcanização" dos maias foi o que os espanhóis encontraram quando
chegaram à região.
"(Na
época) Há uma batalha entre (as cidades de) Chichen Itzá e Mayapan pelo poder
econômico, pelas rotas comerciais… O que ocorre é uma queda desses sistemas
políticos, e estavam buscando novas formas de organização social", diz.
"O
que os espanhóis encontraram foram povos indígenas divididos, brigando pela
hegemonia."
Entretanto,
alheio à história e às dúvidas de milhões, Juan Bautista segue ensinando a seus
filhos os segredos da terra no idioma maia.
Calcula-se que
atualmente haja cerca de 6 milhões de descendentes maias.
Eles habitam boa parte
do que se conhece como Mesoamérica – o sul do México, Guatemala, Belize,
Honduras e El Salvador.
Apenas no México, falam
30 idiomas diferentes.
Entre os descendentes
maias conhecidos internacionalmente está a prêmio Nobel da Paz guatemalteca
Rigoberta Menchú.
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