Vegetação reocupou espaços deixados por casas
abandonadas nos arredores de Chernobyl
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Há
30 anos, um experimento em um reator em Chernobyl, na Ucrânia, resultou no
maior desastre nuclear do mundo.
A
radiação se espalhou pelo entorno da usina e, poucas semanas depois, centenas
de milhares de pessoas tiveram que deixar suas casas em uma zona de exclusão em
um raio de 30 quilômetros do local.
Até
hoje, a região continua praticamente desabitada. Mas isso não quer dizer sem
vida: por incrível que pareça, a vida selvagem está prosperando.
A
questão que intriga os cientistas é: será que o meio ambiente consegue fazer
face a uma catástrofe natural da escala de Chernobyl?
Rápida recuperação
O raro cavalo-de-przewalski pode ser encontrado vivendo na zona de exclusão de Chernobyl |
Não
há dúvidas de que os efeitos imediatos do acidente foram devastadores. Em uma
área de bosque que se estendia por até 5 quilômetros quadrados, muitas árvores
coníferas morreram. As folhas adquiriram uma cor de ferrugem, fazendo com que a
região passasse a ser chamada de Floresta Vermelha.
"No
primeiro ano após a tragédia, boa parte dos invertebrados terrestres morreram e
a população de pequenos mamíferos despencou", afirma Nick Beresford, do
Centro de Ecologia e Hidrologia de Lancaster, na Grã-Bretanha.
Mas
em grandes áreas da zona de exclusão, os níveis de radiação caíram
drasticamente em poucos meses, segundo Jim Smith, da Universidade de
Portsmouth, também na Grã-Bretanha. A vida selvagem começou a se recuperar,
aproveitando-se da ausência de seres humanos.
Não
se sabe exatamente como e quando essa recuperação teve início. Na época, a
Cortina de Ferro ainda separava o Leste Europeu do Ocidente, e a região de
Chernobyl só podia ser visitada por cientistas soviéticos.
Pequenos mamíferos, como o javali, seriam mais populosos hoje do que antes da tragédia |
Apesar
de o foco inicial ser a exposição dos habitantes à radiação, pesquisadores
locais começaram a fazer o monitoramento aéreo de três espécies selvagens: o
alce, a corça e o javali.
A
pesquisa mostrou um lento mas estável aumento na abundância das três espécies.
"Apesar de as contagens serem anuais e não cobrirem toda a região, ela
sugere que, um ou dois anos depois do acidente, as populações começaram a se
recuperar."
Lobos, linces e urso
Pesquisadores flagraram até um urso pardo habitando a região em torno da usina nuclear |
Em
meados dos anos 90, uma equipe de biólogos americanos e ucranianos se lançou em
um estudo mais aprofundado e próximo dos mamíferos da zona de exclusão de
Chernobyl.
Eles
conseguiram coletar uma variedade de ratos-do-campo, camundongos e musaranhos,
e descobriram que a ocorrência e a diversidade de espécies era praticamente
idêntica dentro e fora da área delimitada. Ou seja: dez anos após o desastre,
as populações de pequenos mamíferos não apresentavam sinais aparentes dos
efeitos da radiação.
No
ano passado, Smith e colegas em Belarus, Rússia, Alemanha e Grã-Bretanha
publicaram os resultados do estudo mais aprofundado já realizado sobre o
assunto. Novamente, a conclusão foi de que a radiação teve um impacto limitado
na vida selvagem da região.
Os
cientistas descobriram ainda que certas espécies, como os lobos, estão
sobrevivendo em melhores condições em torno de Chernobyl do que em outras
reservas naturais do Leste Europeu – a população na zona de exclusão é até sete
vezes maior do que em outras partes do continente.
A
equipe de Beresford também divulgou resultados animadores. Eles instalaram
câmeras disparadas por sensores de movimento na zona de exclusão e descobriram
indícios de uma ocorrência extraordinária de espécies: castores, texugos,
linces, bisões e até mesmo um urso pardo.
Impacto contestado
Trinta anos após a tragédia, cientistas
ainda discordam sobre o impacto da radiação na natureza local
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Mas
nem toda a comunidade científica está de acordo em relação às atuais condições
da vida selvagem em torno de Chernobyl.
Anders
Moller, da Universidade de Paris-Sud, e Timothy Mousseau, da Universidade da
Carolina do Sul, por exemplo, chegaram a conclusões bem diferentes nos 15 anos
que passaram estudando a região.
"Em
quase todos os casos, há um sinal claro dos efeitos negativos da radiação nas
populações selvagens. Até mesmo o canto do cuco mudou", enfatiza Mousseau.
Os
dois cientistas também divulgaram estudos que sugerem que a ocorrência de
mamíferos é menor nos locais onde a radiação é maior, assim como a de insetos e
aranhas.
"Essas
e outras pesquisas mostram que há consequências genéticas mensuráveis
decorrentes da exposição a uma baixa radiação, seja em danos aos cromossomos ou
em taxas mais altas de mutações", explica Mousseau.
Mas
nem todos os cientistas concordam com a opinião desses dois estudiosos.
A
polêmica significa que, no 30º aniversário da tragédia em Chernobyl, há duas
visões bastante distintas sobre seu legado.
O
assunto é importante porque, para entenderem como manejar a zona de exclusão,
os cientistas precisam saber como a natureza está respondendo aos efeitos da
radiação.
Com
esse objetivo, novos estudos estão sendo realizados na região, com uma ênfase
em envolver tanto especialistas em radiação como biólogos.
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