Fotos de
corpos de macacos têm se espalhado pela internet desde o aumento, nos últimos
meses, dos casos de febre amarela em regiões dos Estados do Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal. E muitos desses animais não morreram
por causa do vírus: foram executados com pedras, pauladas ou envenenamento.
Além de cruel, a medida tem efeito contrário ao imaginado por muitas pessoas:
prejudica o combate à doença.
“O macaco
é quase um mártir (...) Eles nos indicam onde há infecção”, diz pesquisador do
Instituto Oswaldo Cruz. Direito de imagem Getty Images
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Classificados
por pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil como "sentinelas" e
"mártires", os macacos são o alvo preferido dos mosquitos silvestres
que transmitem a febre amarela, que costumam voar na altura da copa das
árvores.
Muitos
primatas acabam desenvolvendo a doença e morrem. Ao verificar um volume
expressivo de corpos deles em determinada região, autoridades sanitárias e
pesquisadores conseguem identificar a presença da febre amarela, traçar o
possível trajeto do vírus - conforme os corredores da floresta existente - e
planejar ações de imunização das pessoas.
A doença
tem tido um impacto tão expressivo na população de macacos da Mata Atlântica
que existe o temor, por exemplo, de que todos os bugios desapareçam das
florestas do Rio de Janeiro.
Para
piorar, os poucos macacos que sobreviveram à febre amarela ou escaparam do
vírus estão sendo vítimas da desinformação. Muitas pessoas matam esses animais
por acharem que eles são responsáveis pela propagação da doença.
Ao contrário de evitar a propagação da febre amarela, matar macacos
pode expor mais os seres humanos à doença. Foto: Vigilância Sanitária do RJ
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Só este
ano, dos 144 macacos mortos recolhidos pela Vigilância Sanitária e Controle de
Zoonoses do Rio de Janeiro para testes de febre amarela, 69% foram executados -
apresentavam várias fraturas ou veneno no organismo.
Em todo o
ano passado, dos 602 animais mortos, 42% foram assassinados, segundo dados do
órgão.
Nem o
mico-leão-dourado escapou. Corpos de animais dessa espécie, ameaçada de
extinção, também foram localizados com sinais de execução.
Morte de
macacos traz risco para humanos
Mas o que
os "caçadores" de macacos não sabem é que, ao contrário de evitar a
propagação da febre amarela, matar os bichos expõe os seres humanos a riscos
maiores de contrair esse mal grave, que pode matar.
A febre
amarela é uma doença infecciosa que é transmitida, no Brasil, principalmente
por mosquitos silvestres dos gêneros Haemagogus e Sabethes, que
moram na copa das árvores e têm predileção pelo sangue de primatas.
O Aedes
aegypti, que vive em áreas urbanas, também é capaz de transmitir febre
amarela, mas até agora não houve contaminação e transmissão por essa espécie de
mosquito - desde 1942 que não há epidemia urbana de febre amarela. As pessoas
infectadas até o momento teriam contraído a doença em alguma região com mata.
Febre amarela é transmitida no Brasil principalmente por mosquitos
silvestres dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Foto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz
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Segundo o
pesquisador Ricardo Lourenço, do Instituto Oswaldo Cruz, tanto o homem quanto o
macaco, quando picados, só carregam o vírus da febre amarela em quantidades
suficientes para infectar outros mosquitos por cerca de três dias.
Depois
disso, o organismo passa a produzir anticorpos e a concentração do vírus
diminui. Em cerca de dez dias, macacos e seres humanos terão morrido ou se
curado da doença, ficando imunes a ela.
Já o
mosquito permanece com as moléculas da febre amarela para sempre. Eles podem
até passar o vírus para os ovos e, consequentemente, para os filhotes que
nascerem.
Até
mico-leão-dourado, espécie ameaçada de extinção no Brasil, tem sido alvo de
violência por causa do pânico e desinformação sobre a febre amarela. Direito de
imagem Getty Images
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Se muitos
macacos começarem a morrer, a tendência é aumentar a chance de contaminação de
humanos. Sem ter primatas para picar na copa das árvores, os mosquitos buscarão
alimento em outras localidades - e o homem vira a próxima opção como fonte de
sangue.
"Mesmo
que acabem todos os macacos de uma aérea, durante algumas gerações o vírus vai
ficar ali. E o mosquito vai procurar o ser humano para se alimentar", diz
Lourenço, autor de pesquisas sobre mosquitos transmissores.
O médico
epidemiologista Eduardo Massad, professor da Universidade de São Paulo (USP) e
da britânica London School of Tropical Diseases, reforça esse argumento.
"Suponha
que desaparecessem todos os macacos da serra da Cantareira. O mosquito picaria
pessoas. Se você diminui a população de macacos, mais gente será picada",
disse o epidemiologista.
Dos 144 macacos mortos recolhidos pela Vigilância Sanitária e Controle
de Zoonoses do Rio de Janeiro, cerca de 100 foram executados. Fonte: Vigilância
Sanitária do RJ
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“Sentinelas”
da doença
Além de
servirem de isca para mosquitos, evitando com isso que mais humanos sejam
picados, os macacos alertam para o "trajeto" do vírus pelo país.
Após campanhas
de erradicação do Aedes aegypti, o Brasil se livrou da febre amarela
urbana na década de 1942 - a doença acabou se concentrando na região amazônica.
Nos anos 2000, porém, o vírus começou a "descer" para o leste,
alcançado regiões de mata de Minas Gerais, Espírito Santo e, mais recentemente,
São Paulo e Rio de Janeiro.
Sem ter macaco para picar na copa das árvores, os mosquitos buscarão
alimento nos humanos. Fonte: Josué Damacena/IOC/Fiocruz
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O
pesquisador Aloisio Falqueto, professor do Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) acredita que o vírus migrou para
a Mata Atlântica por meio do ser humano.
"A
minha teoria é o elemento urbano. Muitas pessoas migram para a Amazônia sem
tomar vacina. Uma pessoa pegou o vírus na Amazônia e entrou na Mata Atlântica
depois, na altura de Montes Claros (MG), e aqui é um barril de pólvora, pela
presença de macacos sem anticorpos e seres humanos. A força de transmissão é
muito maior", diz.
Já
Ricardo Lourenço acredita que os mosquitos acabaram migrando naturalmente para
o Sudeste, por corredores de mata e rios. Conforme foram picando macacos e
esses animais morreram, teriam descido cada vez mais para o sul do país em
busca de alimento.
Além de servirem de isca para mosquitos, evitando com isso que mais
humanos sejam picados, os macacos alertam para o 'trajeto' do vírus pelo país. Foto:
Vigilância Sanitária do RJ
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"Mosquitos
se dispersam por dois motivos: para achar lugar para colocar ovo e para achar
fonte de alimentação sanguínea. Se começa a morrer macaco, ele começa a buscar
sangue em outro lugar", diz o pesquisador, que explica que o mosquito pode
voar 3 km por dia.
A única
forma de perceber a chegada de mosquitos infectados é pela morte dos macacos.
Desde o início dos anos 2000 que pesquisadores alertam o governo federal e
governos estaduais para a necessidade de ampliar ações de imunização em cidades
com mata onde foram localizados animais mortos.
"Os
macacos nos avisam da iminência do vírus. Quando começam a morrer, sabemos da
existência e intensidade do vírus naquela região. Podemos calcular por onde ele
vai se alastrar e quem devemos imunizar", afirma Aloísio Falqueto.
"A
morte do macaco é um aviso de que devemos imunizar as populações nas áreas de
risco", explica.
Ricardo
Lourenço compara o animal a um "soldado" que atua como vigia da
chegada da febre amarela. "O macaco é quase um mártir. É uma vítima e um
instrumento de vigilância e de alerta. É uma sentinela do quartel. Eles nos
indicam onde há infecção."
Fonte: BBC
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