Os amigos
trabalham com agricultura urbana na empresa Coalo Valley Farm. Mas não é uma
fazenda comum: o galpão está lotado com um "microrebanho", como um
dos fundadores e diretor-executivo da companhia, Elliot Mermel, gosta de
chamá-lo.
O
"micro-rebanho" é formado por milhares de grilos e larvas de
besouros. A Coalo Valley Farm é a primeira fazenda de insetos para consumo
humano do Estado da Califórnia. E os donos do projeto têm grandes planos.
"Sabemos
que insetos são uma fonte sustentável de proteína e, no momento em que o mundo
já está lutando para alimentar 7 bilhões de pessoas, queremos tentar encontrar
uma forma de alimentar as gerações futuras", diz Mermel.
A
fazenda buscou seguir diretrizes ecológicas e ambientais, considerando que a
Califórnia sofre com clima seco e falta d'água.
O
diretor-executivo se refere às operações da fazenda como um "circuito
fechado": quase tudo é gerado no local. Peixes criados lá fornecem a água
residual que sustenta os brotos de alfafa e o feijão, que, por sua vez,
alimentam os grilos.
As
instalações da empresa também se assemelham a galpões de cultivo de maconha -
os cinco amigos pegaram emprestada a tecnologia desta indústria. As barracas
prateadas são aquecidas e, dentro delas, há fileiras de tonéis e prateleiras
com insetos.
Eles
começaram o negócio em 2015, mas já contam com fãs nos mercados de comida
saudável e barras de proteína.
Mermel defende que insetos podem colaborar para uma dieta mais sustentável |
Larvas de besouros cultivadas na Coalo Valley Farm, empresa
criada em 2015
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Desbravando mercados
Ao
sul da fronteira, no México, o cenário do mercado para esses novos
empreendimentos não é tão simples.
Os
insetos são consumidos no país desde antes da chegada dos colonizadores
espanhóis. Não há, portanto, grande aversão cultural a a comê-los. Mas a
criação de insetos para consumo humano ainda não existe.
Rene
Cerritos, biólogo na Universidade Nacional Autônoma do México, trabalha com
fazendeiros do país para tentar estimular a produção de insetos comestíveis.
Segundo
ele, o México abriga cerca de 25% das quase 2 mil espécies de insetos
comestíveis do mundo, mais do que qualquer outro país no mundo. Mas a demanda
ainda é baixa.
México tem um quarto dos cerca de 2 mil insetos comestíveis do mundo
|
"Os
ocidentais têm um problema concreto com o consumo de insetos (...) O México
está se ocidentalizando, então, muitas tradições que tínhamos desde os tempos
pré-colombianos foram perdidas. Os insetos estão lá, toneladas e toneladas
deles. E poderíamos cultivá-los e consumi-los, mas não fazemos isso."
Para
Silvio Nihei, professor de Zoologia no Instituto de Biociências da Universidade
de São Paulo (USP), o número estimado pela ONU de quase 2 mil espécies de
insetos comestíveis pode ser bem maior.
"Temos
aproximadamente 1 milhão de espécies de insetos descritos (conhecidos) no
planeta", explicou Nihei à BBC Brasil.
O
professor então cita apenas o exemplo brasileiro e elabora uma hipótese.
"Em
escala nacional, só de besouros das famílias Cerambycidae e Curculionidae há 10
mil espécies brasileiras (no mundo somam mais de 100 mil espécies), e de
formigas são 2,5 mil espécies. Se restringirmos esses números para espécies de
maior tamanho (e maior valor calórico e nutricional), poderíamos pensar em algo
em torno de 2 a 3 mil espécies de besouros e umas 500 espécies de formigas.
Isso só no Brasil."
Praga que dá lucro
Na
Califórnia, a criação é de grilos. Já no México, os novos fazendeiros se
concentram nos gafanhotos. As diferenças são sutis: os grilos são onívoros (se
alimentam de fontes vegetais e animais) e os gafanhotos, vegetarianos.
No
México, os gafanhotos são considerados pragas, porque atacam lavouras e reduzem
a produção, dando prejuízos aos fazendeiros.
Fazendeiro mexicano parou de lutar contra os gafanhotos e decidiu criar os insetos para consumo |
José
Moreno Sanchez é fazendeiro há 30 anos e decidiu mudar a relação com esses
insetos.
"Os
gafanhotos comeram as lavouras, e o dano financeiro foi grande, especialmente
quando semeávamos verduras. Então, em vez de lutar contra eles, decidimos
transformar os gafanhotos em negócio", contou.
Agora,
ele espera algum lucro com os gafanhotos de sua fazenda.
Sanchez
diz que a grande maioria dos gafanhotos são capturados de maneira informal. As
pessoas coletam os insetos, mas não são donas da terra - e geralmente pisoteiam
lavouras para capturar os bichos, irritando os fazendeiros.
O
chef e crítico gastronômico mexicano Alejandro Escalante diz que a relutância
dos fazendeiros mexicanos em relação aos gafanhotos é "terrível".
Ele
faz uma lista dos insetos que usa na cozinha de seu restaurante, La Casa de los
Tacos, no sul da Cidade do México, entre eles escorpiões e carrapatos.
José Moreno Sanchez espera conseguir lucros com a criação de gafanhotos
para consumo humano
|
O
chef afirma que todos são deliciosos. "Eles têm muita proteína, são
saborosos e há uma grande variedade."
O
professor da USP Silvio Nihei afirma que no Brasil não há levantamento dos
insetos usados como alimentos.
"Mas
o mais comum são os seus produtos derivados - mel, geleia real, própolis. Já o
consumo de insetos inteiros é incomum por aqui, mas sabemos que em muitas
partes do país, principalmente no interior, consome-se o abdômen de saúvas
fêmeas quando estão cheias de ovos (chamadas de içá ou tanajura)."
Para
Nihei, se fosse feito um levantamento das espécies de insetos consumidas no
país, "seria um número bem reduzido entre a sociedade não indígena,
enquanto o número para as comunidades indígenas, onde este hábito é mais comum,
seria maior."
Iguarias finas
O
mercado de San Juan, no centro da Cidade do México, é uma amostra desta
variedade de insetos comestíveis.
Alejandro Escalante prepara insetos em seu restaurante
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O
grande galpão é onde se pode ter uma experiência gastronômica e encontrar uma
variedade incrível de tipos de carne, incluindo crocodilo e avestruz.
Mas
também é possível encontrar tarântulas, escorpiões, gafanhotos e larvas de
agave. Sendo que algumas espécies em exposição ainda estão vivas.
Insetos
e aracnídeos, contudo, não são baratos. E o potencial de lucro é uma das razões
que levaram Alessandro Spagnuolo e sua família a abrir a própria fazenda de
insetos, onde coletam algo que é conhecido como o "caviar" do México,
larvas das formigas Liometopium apiculatum ou "escamoles".
Muitos dos que coletam os insetos não são donos das terras onde
procuram as iguarias
|
A
companhia da família de Spagnuolo, a JC Redon, fica em uma fazenda em Hidalgo.
Eles levaram a reportagem da BBC para um passeio por trilhas locais em busca de
ninhos com ovas de insetos e plantas de agave, onde as larvas podem ser
encontradas.
A
temporada não tem sido muito boa e há poucas plantas de agave. O que pode
explicar o preço da larva: cerca de US$ 100 (R$ 320) o quilo.
Exclusividade x popularidade
A
exclusividade do produto é parte do charme para consumidores mais exigentes.
A fazenda Hidalgo tem passado por temporadas difíceis
|
Mas
Spagnuolo acredita que a popularidade de seus produtos aumentará em breve,
tornando exportações para a Europa, por exemplo, uma realidade.
Por
enquanto, as leis não permitem exportação de insetos para consumo humano do
México para o continente europeu.
"É
como sushi. Há 20 anos, poucas pessoas na Europa achavam que não tinha problema
comer peixe cru - agora, está em toda parte. Será o mesmo com insetos",
explicou Spagnuolo.
De
volta à Los Angeles, Elliot Mermel e o grupo de produtores da Coalo Valley Farm
estão descobrindo que os clientes preferem os insetos sem as pernas e,
frequentemente, moídos até virar pó.
Talvez
a ideia de pedir um prato de insetos ou uma porção de grilos ainda é um passo
muito grande para os consumidores que nunca tiveram por perto uma cultura de
consumo de insetos.
É possível encontrar uma grande variedade de insetos e aracnídeos
comestíveis no mercado de San Juan
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