A maioria das pessoas
provavelmente não precisa pensar muito para distinguir seres vivos dos
"não-vivos". Em tese, é fácil: um humano está vivo, uma rocha, não.
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Direito de imagem Jezper / Alamy Stock
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A
tarefa pode parecer simples, mas é bem mais complexa para cientistas e
filósofos, que há milênios ponderam sobre o que faz uma coisa "estar
viva".
Grandes
intelectuais, como o grego Aristóteles e o cosmólogo americano Carl Sagan,
debruçaram-se sobre esse problema, em milênios diferentes, e até hoje não há
uma definição que agrade a todos.
Literalmente
falando, ainda não temos um significado para vida, e a definição ficou ainda
mais difícil nos últimos cem anos.
Até
o século 19, prevalecia a noção de que a vida era especial graças à presença de
uma alma intangível, ou uma "fagulha vital".
Essa
definição deu lugar a abordagens mais científicas. A NASA, a agência espacial
dos Estados Unidos, por exemplo, define vida como "um sistema químico
autossustentável capaz de evolução Darwiniana".
Essa
é apenas uma de pelo menos cem definições já propostas para tentar se chegar a
um conceito simples que englobe todas as formas de vida. Todas as sugestões
focam em algumas atribuições comuns como replicação e metabolismo.
A
falta de consenso para se chegar a uma definição reflete a divergência de
ideias entre cientistas sobre o que é necessário para se estabelecer que algo
"está vivo". Enquanto um químico poderia dizer que a vida se resume a
algumas moléculas, um físico talvez considerasse importante incluir na
discussão a questão da termodinâmica.
Para
se ter uma ideia de por que é tão difícil definir vida, apresentamos um resumo
sobre o que pensam alguns dos cientistas que hoje trabalham nessa fronteira que
separa coisas "vivas" do restante - e que tenta chegar a um conceito
e a um consenso sobre o termo.
Urrey
estudou as origens da vida. Direito
de imagem US Department of Energy/Science Photo Library
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Vírus
Nas
aulas de biologia, crianças memorizam sete processos necessários para que haja
vida: movimento, respiração, sensibilidade, crescimento, reprodução, excreção e
nutrição.
Mas
os processos estão presentes em muitas coisas que nós não classificaríamos como
"vivas".
Segundo
essa definição, por exemplo, alguns cristais, proteínas infecciosas chamadas de
príons e até certos programas de computador estariam "vivos".
Nesse
sentido, os vírus são um exemplo clássico da dificuldade de estabelecer algo
como "vivo" ou "não vivo".
"Eles
não são células, não têm metabolismo e são inertes desde que não encontrem uma
célula", diz Patrick Forterre, microbiologista do Instituto Pasteur, em
Paris, na França.
Muitos
cientistas chegaram à conclusão de que os vírus não são vivos. Forterre pensa
diferente, mas o cientista relativiza e admite que tudo depende de onde você
decide colocar o ponto de corte.
Faltam
aos vírus quase todos os atributos que os qualificariam como seres vivos. No
entanto, eles possuem informações codificadas em DNA ou RNA (Ácido
Desoxirribonucleico e Ácido Ribonucleico).
O
DNA é o material genético de todos os organismos celulares e de grande parte
dos vírus. O RNA é o material genético de alguns tipos de vírus e, nos
organismos celulares, a molécula que dirige as fases da síntese de proteínas.
Juntos, DNA e RNA transportam a informação necessária para dirigir a síntese de
proteínas e sua replicação.
Ilustração do vírus
Epstein-Barr. Direito
de imagem Kateryna Kon/Science Photo Library
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Essas
estruturas, compartilhadas por todas as criaturas vivas do planeta, permitem
que os vírus evoluam e se repliquem - mesmo que, para isso, precisem
"sequestrar" a maquinaria de células vivas.
O
fato de que os vírus, assim como todas as formas de vida conhecidas, carregam
DNA ou RNA, levou alguns cientistas a incluí-los na categoria dos
"vivos".
Outros
sugerem até que os vírus podem trazer pistas que nos ajudariam a compreender
como a vida começou.
Nesse
caso, a definição de vida deixa de ser um conceito em branco e preto e ganha
formas e contornos mais nebulosos. Adotando essa linha de pensamento, alguns
cientistas caracterizam os vírus como coisas que existem na "fronteira
entre a química e a vida".
Replicação Imperfeita
Os
polímeros também poderiam ajudar a identificar algo é vivo ou não. Eles são
materiais que apresentam ligações em cadeia entre átomos de carbono com outros
elementos químicos.
A
partir desses polímeros - ácidos nucleicos que constituem o DNA, proteínas e
polissacarídeos - é construída praticamente toda a vida, em sua diversidade.
"A
vida como a conhecemos se baseia em polímeros à base de carbono", disse
Jeffrey Bada, do Instituto Scripps de Oceanografia em San Diego, na Califórnia,
Estados Unidos.
Bada
foi aluno do bioquímico Stanley Miller, um dos cientistas responsáveis pela
Experiência Miller-Urrey, que, na década de 50, foi uma dos primeiros a
explorar a ideia de que a vida surgiria de substâncias químicas não vivas e que
é clássica sobre a origem da vida.
Bada
recorre ao experimento para demonstrar que, ao simular as condições
atmosféricas dos primórdios da formação da Terra, vários compostos orgânicos
eram formados espontaneamente.
Mais
tarde, ele ainda refez o experimento, provando que uma variedade ainda maior de
moléculas biologicamente relevantes é formada quando se lança eletricidade
sobre uma mistura de substâncias químicas que, acredita-se, estavam presentes
nas origens da Terra.
Mas
essas substâncias químicas não estão vivas. Então, o que é necessário para que
elas ganhem vida?
A
resposta de Bada é surpreendente: "replicação imperfeita de moléculas
informacionais teria marcado a origem da vida e da evolução, e assim, a
transição da química não viva para a bioquímica".
O
início da replicação, e mais especificamente, a replicação com alguns erros,
leva à criação de "filhotes" com níveis diferentes de habilidade.
Esses filhotes moleculares podem então competir uns com os outros pela
sobrevivência.
"Isso
é, basicamente, a evolução Darwiniana em escala molecular", disse Bada.
Nos anos
1970, teste pareceu indicar que havia vida em Marte. Direito
de imagem Universal Images Group North America LLC/Alamy
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Vida Desconhecida
Será
que nós perceberíamos a presença de vida em Marte? Tentar adivinhar como seria
a vida alienígena é ainda mais complicado.
Pesquisadores
como Charles Cockell e outros do Centro Britânico de Astrobiologia da
Universidade de Edimburgo, na Escócia, usam microrganismos capazes de
sobreviver em ambientes extremos como modelos para a vida extraterrestre.
A
argumentação é de que a vida em outros planetas pode existir em condições
bastante diferentes, mas provavelmente mantenha muitas das características da
vida que nós reconheceríamos na Terra.
"(Mas)
temos de manter a mente aberta para a possibilidade de encontrarmos algo que
não se enquadre nessa definição", disse Cockell.
Historicamente,
a tentativa de usar apenas nosso conhecimento sobre a vida terrestre para
identificar vida alienígena trouxe resultados confusos. A Nasa, por exemplo,
achava que tinha uma boa definição para vida quando, em 1976, a nave espacial
Vicking 1 conseguiu pousar em Marte, equipada com três equipamentos para
"testar a vida".
Um
teste em particular pareceu indicar que havia vida em Marte: os índices de
dióxido de carbono no solo do planeta eram altos, um indício de que havia
micróbios vivendo e respirando na superfície do Planeta Vermelho.
Listras das zebras, característica
que não as caracteriza como mamíferos, podem ser uma boa analogia para a
dificuldade de definir a vida, diz filósofa. Direito
de imagem Robert Harding/Alamy
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Na
verdade, porém, os índices de dióxido de carbono observados pelos pesquisadores
são, hoje, quase universalmente atribuídos a um fenômeno bem menos
interessante: as oxidações não-biológicas.
Os
astrobiólogos estão usando essas experiências como aprendizado e apurando os
critérios que usam para procurar por alienígenas - uma busca que ainda não
obteve êxito e que sugere que os astrobiólogos não devam estreitar demais esses
mesmos critérios.
Para
Sagan, a visão "carbono-cêntrica" da vida alienígena - que ele
chamava de "chovinismo do carbono" pode atrapalhar a busca por
extraterrestres.
"Algumas
pessoas sugerem, por exemplo, que talvez os alienígenas sejam feitos à base de
outros solventes (e não de água)", disse Cockell.
"Já
houve até discussões sobre a possibilidade de que existam organismos
extraterrestres inteligentes nas nuvens."
Em
2010, a descoberta de bactérias com DNA contendo arsênico em vez de fósforo (como
é padrão) deixou muitos astrobiólogos animados. De lá para cá, embora a
descoberta tenha sido questionada, muitos pesquisadores continuam esperançosos
de encontrar provas da existência de formas de vida que fujam das regras
convencionais.
E
em meio a essa discussão, há ainda cientistas trabalhando em formas de vida que
não são baseadas em química.
Vida Artificial
A vida
artificial pode ser diferente da forma como estamos familiarizados, Direito
de imagem Science Photo Library / Alamy Stock Photo
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A
criação de vida artificial - restrita, no passado, ao plano da ficção
científica - é hoje um campo bastante estabelecido da Ciência.
Essa
área pode envolver, por exemplo, biólogos criando novos organismos em
laboratório ao "juntar" partes de duas ou mais formas de vida já
existentes ou conceitos ainda mais abstratos de "vida artificial".
Desde
a década de 1990, quando o programa de computador Tierra, criado por Thomas
Ray, pareceu demonstrar a síntese e a evolução de "formas de vida"
digitais, pesquisadores vêm tentando criar programas de computador que
realmente simulem a vida - algumas equipes trabalham até na criação de robôs
com características similares às da vida convencional.
"A
ideia é tentar compreender as propriedades essenciais de todos os sistemas
vivos, não apenas os sistemas vivos que por acaso estão presentes na Terra.
Temos uma visão mais ampla do que é vida, que ultrapassa aquelas formas que
estamos familiarizados", disse o especialista em vida artificial Mark
Bedau, do Reed College, em Portland, no estado de Oregon, Estados Unidos.
Ainda
assim, muitos pesquisadores trabalhando com vida artificial usam o que sabemos
sobre a vida na Terra como base para seus estudos.
Bedau
disse que os pesquisadores usam o que ele chama de "modelo PMC"
(sigla para program, metabolism and container, ou "programa, metabolismo e
recipiente", em português). Nesse modelo, por exemplo, o DNA poderia ser
um programa e o recipiente, a parede de uma célula.
"É
importante notar que isso não é uma definição de vida, apenas uma definição de
vida química mínima", acrescentou.
Para
os especialistas que pesquisam formas "não químicas" de vida, a
tarefa é criar versões desses componentes PMC na forma de programas de
computador.
Criação de vida em laboratório pode
vir da junção de duas ou mais formas de vida já existentes.
Direito
de imagem Brian Jackson/Alamy
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"Não
acho que haja uma definição exata (de vida), mas precisamos continuar buscando
uma", disse Steen Rasmussen, que trabalha na criação de vida artificial na
Universidade Southern Denmark, em Odense, na Dinamarca.
Grupos
de cientistas em todo o mundo vêm trabalhando em componentes individuais do
modelo PMC, criando sistemas que demonstram um ou outro aspecto dele.
Até
agora, no entanto, ninguém conseguiu unir todas as partes para formar um tipo
de vida sintética que funcione.
"É
um processo de baixo para cima, construindo (a vida sintética) pedaço por
pedaço", explicou.
Talvez
as pesquisas nesse campo possam funcionar em uma escala mais ampla, criando
formas de vida completamente estranhas às nossas expectativas ou poderiam ainda
ajudar a redefinir nosso entendimento sobre o que é vida. Mas, segundo Bedau,
os cientistas ainda não chegaram a esse ponto.
"Eles
não têm de se preocupar em definir todas as formas de vida, talvez conversem
sobre isso quando tomam uma cerveja, mas não precisam incluir (o conceito) em
seu trabalho."
Portanto,
se até entre os que pesquisam - e constroem - novas formas de vida não há
preocupação em encontrar uma definição universal única, será que os cientistas
deveriam deixar a questão de lado por um tempo?
Para
a filósofa Carol Cleland, da Universidade Colorado Boulder, no Colorado, nos
Estados Unidos, a resposta é sim. Pelo menos por enquanto.
"Se
você está tentando fazer uma generalização sobre mamíferos usando uma zebra,
que característica você vai escolher?", perguntou Cleland. "Com
certeza não serão as glândulas mamárias, porque somente a metade delas tem
mamas. As listras parecem ser a escolha óbvia, mas são apenas um acidente, e
não o que caracteriza as zebras como mamíferos", disse.
E
é a mesma coisa com a vida. Talvez as coisas que pensamos ser essenciais sejam
apenas peculiares à vida na Terra. Afinal, tudo - de bactérias a leões - é
derivado de um único ancestral comum, o que significa que no nosso mapa da vida
no Universo temos apenas uma única informação.
"O
homem tende a fazer definições em termos do que é familiar. Mas a verdade
fundamental pode não ser familiar", disse Sagan.
Vida Estranha
Os príons podem
ser formas de vida. Direito
de imagem Alfred Pasieka/Science Photo Library
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Até
que tenhamos descoberto e estudado formas alternativas de vida, não poderemos
saber se as características que julgamos ser essenciais à vida são mesmo
universais.
Criar
vida artificial talvez seja uma maneira de explorarmos formas alternativas de
vida, mas, pelo menos no curto prazo, a tendência é embutirmos nossas
preconcepções sobre sistemas vivos nas vidas que imaginamos dentro do
computador.
Para
definirmos a vida direito, talvez precisemos encontrar alguns alienígenas. A
ironia é que tentativas de chegar a uma definição de vida antes da descoberta
desses alienígenas podem tornar a busca por eles ainda mais difícil.
Já
pensou que tragédia seria se, em 2020, o novo Mars Rover (veículo não-tripulado
que a Nasa pretende colocar no solo de Marte) passasse sem notar por um
marciano, simplesmente por não ter sido capaz de perceber que ele era um ser
vivo.
"A
definição pode, na verdade, atrapalhar a busca por nova vida", diz
Cleland.
"Nós
precisamos nos afastar do nosso conceito atual, para que possamos estar abertos
e prontos a descobrir a vida como ainda não conhecemos."
Leia
a versão
original desta reportagem, em inglês, no site BBC Earth.
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