Adaptação
— este foi o tom de um importante relatório climático divulgado em 31 de março
pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
grupo internacional de pesquisadores reunido pelas Nações Unidas para a
elaboração de estudos científicos sobre as mudanças climáticas com possíveis
implicações em termos de políticas públicas. Segundo o dito relatório, os
desafios de um planeta em transformação também afetam os países mais ricos, mas
deverão afligir as populações pobres com maior intensidade.
“A
mudança climática alterou sistemas do Equador aos polos, do oceano às
montanhas”, afirmou o biólogo Christopher Field, da Universidade Stanford, em
conferência realizada na cidade de Yokohama, Japão. Field é codiretor do Grupo
de Trabalho II do IPCC, equipe responsável pelo desenvolvimento do relatório (em inglês) que
contou com as contribuições de 309 autores de 70 países, acrescidas dos
milhares de comentários vindos dos pesquisadores revisores do trabalho.
Concluiu-se
que as mudanças climáticas não são algo a ocorrer no futuro: elas já se fazem
sentir nas vidas das pessoas de todo o mundo, uma vez que o clima de hoje não é
o mesmo apresentado pelo planeta há apenas algumas décadas atrás, graças à
queima de combustíveis fósseis, ao desmatamento e a outras atividades humanas.
Portanto, vemos um princípio de adaptação — investimentos na mudança da
orientação da matriz energética em direção a fontes mais limpas e renováveis,
planejamento de uso responsável da água — guiando as ações governamentais e
sociais.
Seleção
natural
Projeto estudantil de Funafala, Tuvalu, no qual estudantes plantam vegetação típica de manguezais, cujo objetivo é o de estabilização costeira. A nação polinésia tende a sofrer com o aumento do nível do mar. Crédito: David J. Wilson |
Os
impactos da mudança do clima se estendem pelos ecossistemas e por esferas de
atividade humana, como agricultura, infraestrutura e gestão de recursos
hídricos, conforme realçado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que
parabenizou o esforço dos pesquisadores. Têm havido alterações na área ocupada
por muitas espécies terrestres e marinhas e nos seus fluxos migratórios, bem
como a imposição de ameaças de extinção advindas da acidificação dos oceanos e
da introdução de parasitas com os quais os animais e plantas de
determinado habitat não estão habituados.
Todavia,
o relatório aponta que algumas questões sejam mais evidentes, dentre as quais a
influência negativa das mudanças climáticas sobre a agricultura. Em geral, as
lavouras de milho e trigo, por exemplo, foram mais prejudicadas por ondas de
calor e pela seca do que beneficiadas pela concentração mais elevada de gás
carbônico na atmosfera, com a notável exceção das produções de alguns locais no
norte da Europa e no sudeste da América do Sul. O peso econômico da diminuição
da produção não pode ser desconsiderado, tendo em mente toda uma classe de
agricultores de subsistência (de baixa renda) e o constante aumento da demanda
por víveres ocasionado pelo crescimento populacional e por níveis mais elevados
de renda, especialmente nos países emergentes.
Ainda,
situações climáticas extremas têm aumentado o número de casos e a gravidade de
incêndios florestais e inundações, de forma que as mudanças climáticas podem
intensificar a ocorrência de doenças como malária e dengue, tipicamente
tropicais.
O
relatório também não descarta a possibilidade de que agrupamentos humanos
venham a se deslocar em busca de melhores condições de sobrevivência em virtude
de desastres ambientais, novamente, tratando-se de um esforço adaptativo. Em
seu trabalho em governos britânicos passados, o economista Nicholas Stern, da London
School of Economics and Political Science, vinha alertando as autoridades
quanto ao perigo das mudanças climáticas. Agora, ele extrai do relatório do
IPCC a ideia de que, “durante este século”, essas mudanças “aumentarão o risco
de populações humanas serem deslocadas” devido a enchentes e secas, bem como a
desertificação e aumento do nível do mar.
Foco
social e oportunidades
O
relatório “Mudanças Climáticas 2014: Impacto, Adaptação e Vulnerabilidade” foi
o segundo de três volumes publicados pelo IPCC. Ao contrário do primeiro
relatório, que enfatizou as alterações físicas relacionadas à mudança no clima,
a dissertação atual procurou destacar os aspectos sociais de um meio ambiente
em transformação, privilegiando os riscos às pessoas e aos ecossistemas e os
meios que as sociedades podem adotar para reduzir tais riscos. Discutiram-se
instruções para a proteção de cidades litorâneas contra o aumento do nível do
mar, por exemplo, além de alterações nas áreas dedicadas a pesca e agricultura.
Entretanto,
ainda podemos nos prevenir de uma catástrofe maior caso cortemos nossas
emissões de carbono. Os pesquisadores que conduziram os estudos físicos
relativos à mudança climática, publicados em setembro de 2013, avaliaram que,
desde 1880, 531 giga toneladas de carbono foram despejadas na atmosfera
terrestre, e somente 800 giga toneladas podem ser emitidas para que tenhamos
uma chance substantiva de manter o aquecimento global médio abaixo de 2 graus
Celsius (cada giga tonelada equivale a 1 milhão de toneladas). Acima desse
montante, o aquecimento provocaria uma maior probabilidade de “impactos
severos, generalizados e irreversíveis”, informa o novo relatório.
Estima-se
que o planeta tenha se aquecido em 0,85 °C desde
1880, o que torna o aquecimento global suficientemente “inequívoco” para Michel
Jarraud, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, outra agência
climática da ONU. “A ignorância não é mais uma desculpa. Nós sabemos”, diz
Jarraud.
Fontes: Science, Scientific American, ONU
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