Quem tem o dedo limpo para tocar na ferida do outro? |
Você,
que é contra o impeachment por achar que se trata de um golpe
arquitetado pelos “coxinhas” da direita conservadora, evangélica e militarista.
Você, que é a favor do impeachment por achar que a derrocada dos
“petralhas” instalará a moralidade na máquina pública. Seria ótimo se a
realidade fosse simples assim, tal como é retratada na sua cabeça. Mas não tem
como dizer isso de forma mais elegante, o fato é que você é um idiota, mais
exatamente um tipo qualificado de idiota: o Idiota do Impeachment.
O
problema não é ser contra ou a favor do Impeachment, pois isso é um
posicionamento político legítimo a todo o cidadão esclarecido e criterioso em
seu julgamento. O problema é ser contra ou a favor do Impeachment pelas razões
e inspirações ingênuas e primárias que só um típico Idiota do Impeachment, seja
contra ou a favor, pode ter.
Sem
se dar conta, você está sendo iludido em suas boas intenções por um
grupo de políticos e asseclas de políticos que não compartilha da mesma visão
de mundo que você, mas que manipula suas expectativas com o objetivo de
alcançar ou manter a única coisa que lhes importa de verdade: o poder. Você,
infelizmente, é só mais uma vítima inocente de uma era na qual as memes das
redes sociais pintam tudo com cores primárias, maniqueístas, preto no branco,
nós contra eles, os bons contra os maus.
E
você, peão idiota manipulado pela retórica e pelo marketing de botequim das
redes sociais, entra nessa guerra com sanguenozoio contra o suposto
inimigo, seja ele os coxinhas ou os petralhas, compartilhando e curtindo
rotulações apressadas e imagens apelativas. Como resultado dessa sua ação
inconsequente e míope, meu prezado, o já superficial debate político brasileiro
fica ainda mais caricato, mais miserável e vergonhoso. Antes de criticar os
parlamentares que brigam com tapas e cabeçadas no congresso nacional, olhe para
seu próprio umbigo e se pergunte se você também, ao seu jeito, não está
colaborando para nosso país se tornar um enorme circo feito de palhaços malogrados
pela própria burrice.
Porém,
meu amigo, a verdade é que tudo é bem pior do que as vãs simplificações do
Facebook e papos de bar conseguem representar. Nessa história, não há heróis,
não há vilões. Em ambos os cenários, ocorrendo ou não ocorrendo o Impeachment,
tanto vencedores como derrotados são representantes do que há de pior na
política brasileira. Ocorra ou não impeachment, permaneça ou não o PT no poder,
o povo brasileiro será o grande perdedor, pois fomos colocados numa situação na
qual já perdemos, e não há outra alternativa senão sermos governados pela
mesma classe política criminosa que há décadas parasita o Estado brasileiro,
estejam eles na oposição ou na situação, sejam do PSDB, sejam do PT.
Dê
um passo para trás, meu amigo Idiota do Impeachment, e olhe tudo de uma
perspectiva mais ampla, e subitamente esse véu de ignorância sairá de seus
olhos:
De
um lado, temos uma Presidente cuja incompetência administrativa e micro
gerenciamento autoritário fez o país mergulhar numa profunda crise econômica,
colocando por água abaixo as poucas e árduas conquistas sociais da população
brasileira nos últimos anos. Uma Chefe do Executivo cujo partido está, como
demonstram as investigações das operações Zelotes e Lava-Jato, comprovadamente
mergulhado num esgoto de corrupção que envolve poderosas estatais como
Petrobrás, Furnas e Eletrobrás, e grandes empresas como Odebrecht, Andrade
Gutierrez e o Grupo Caoa – um esgoto cujas águas contaminadas e bilionárias
correram quase como um rio de lama durante seus dois mandatos presidenciais.
Uma Presidente que ocultou em 2014 os primeiros sinais de recessão para poder
ganhar a eleição, e que praticou um enorme estelionato eleitoral após sua
vitória ao adotar medidas contrárias à cartilha ideológica de seus
eleitores.
Do
outro lado, porém, temos um presidente da Câmara que amealhou milhões de
dólares em contas na Suíça como resultado da corrupção, e que fez ameaças de
morte ao deputado federal relator do processo parlamentar destinado a apurar
sua falta de decoro. Uma oposição cujo principal partido foi responsável por
irregularidades e desvios durante a privatização de grandes estatais no governo
FHC, e cujo candidato à Presidência da República tem relações ainda não
investigadas com o narcotráfico internacional. Uma oposição que conta com o
apoio do que há de pior na política brasileira, como a bancada evangélica e
cretinos fundamentalistas como Bolsonaro.
Não
se convenceu? Bem, basta lembrar que tanto se ocorrer como se não ocorrer o
Impeachment, na prática um partido sairá sempre vencedor, e terá no congresso o
poder de decidir os rumos da nação, ocupando cargos na máquina pública,
independentemente de quem esteja usando a faixa presidencial: o PMDB.
“Então,
se toda a política brasileira está nas mãos de incompetentes, corruptos e
estelionatários, não há chance para a democracia?” “Está tudo podre e em
processo de decomposição moral irremediável?” Eu entendo que essa é a primeira
pergunta que vem à sua cabeça, meu amigo Idiota do Impeachment, e até desconfio
que, antes mesmo de terminar a sua formulação, uma vozinha dentro de você
começou a sussurrar, a depender de sua inclinação ideológica, algo a favor de
uma revolução socialista ou de uma intervenção militar de direita (é, fazer o
que, o seu pensamento é bem previsível).
Ocorre
que você, querido crédulo, também caiu na armadilha de uma outra simplificação:
aquela que entende a democracia exclusivamente como um processo de votar em
candidatos a cargos públicos que, uma vez no poder, farão composições políticas
para implementar os seus compromissos de campanha.
Na
verdade, democracia é muito mais do que isso. Democracia também é um sistema de
instituições independentes cujo dever fundamental é preservar aquilo que se
convencionou chamar de “Estado Democrático de Direito”. E essas duas últimas
palavras, “direito” e “democrático”, são, nesse sistema, indissociáveis: a
democracia realiza-se através do direito e o direito justifica-se pela
preservação da democracia, sendo entendido por “direito” não apenas o
conjunto de leis, mas antes e principalmente o conjunto de princípios que
inspiram a noção de um governo legitimado pela participação ativa de todos os
cidadãos.
E,
nesse aspecto, se no âmbito da política seremos todos perdedores, não
importando qual grupo saia vitorioso do Impeachment, não importando se Dilma
cai ou não cai, o que está ocorrendo no âmbito de outras instituições
democráticas é algo sem precedentes e mostra que no final pode haver uma grande
vitória do Estado Democrático de Direito: o Poder Judiciário e o Ministério
Público (que também não são santos, que também possuem focos de abusos e
corrupção, mas não no nível de metástase do Poder Executivo e Legislativo)
estão, pela primeira vez, atuando segundo o estrito rigor da lei, e como
consequência estamos testemunhando senadores, banqueiros e grandes empreiteiros
indo parar atrás das grades.
É
natural que os grupos atingidos pela ação dessas instituições tentem vender a
ideia de que elas estão sendo ideologicamente seletivas nas apurações. Você,
meu amigo, está inteiramente livre para continuar um Idiota do Impeachment e
acreditar que toda a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário
estão ideologicamente aparelhados com esse ou aquele grupo político. A
simplificação caricata da realidade é sempre sedutoramente mais fácil de
assimilar.
Porém,
o fato é que os músculos de outras instituições democráticas estão sendo pela
primeira vez exercitados no país, e como consequência disso nem mesmo as mais
altas autoridades da República e poderosos empresários estão sendo poupados de
amargar um bom tempo atrás das grades. O desespero é tanto, diante da
eficiência e agilidade dessas instituições democráticas, que um Senador da
República tentou comprar o silêncio de um dos investigados com mesada de 50 mil
reais e fuga em jatinho supersônico para a Europa, tudo patrocinado por um
grande banqueiro: o resultado é que o senador e o banqueiro acabaram na cadeia.
Essas
instituições compõem um delicado mas sofisticado sistema existente em toda a
democracia bem sucedida, mas que até hoje no Brasil tinha sua musculatura
atrofiada. É um sistema essencialmente jurídico que implementa os princípios e
regras de uma Constituição que, malgrado todos os ataques reiterados, ainda é
vocacionada à democracia.
O
problema da estupidez do Idiota do Impeachment é que ela desvia o foco do
fundamental. Mais importante, no momento, do que o Impeachment em si, é a busca
emergencial da estabilidade econômica, sob pena de a crise atual lançar nas
ruas milhares de desempregados, e devolver à classe mais baixa milhares de
famílias que estavam compondo aquilo que passamos a chamar de “nova classe
média”. Mais importante, para o futuro, é estarmos vigilantes para as tentativas
que o Poder Legislativo e o Executivo farão de tolher a autonomia das
instituições democráticas que estão, neste momento, mordendo os seus
calcanhares e ameaçando punir efetivamente toda a corrupção.
Enquanto
você briga no Facebook ou no Twitter defendendo aqueles que estão lhe
manipulando, Idiota do Impeachment, o país vai à bancarrota, independentemente
de quem está ocupando a Presidência. Mas a mudança depende mais de você do que
daquele pessoal em Brasília. Você pode abandonar agora mesmo essa fantasia de
palhaço que tem orgulho de ostentar em público, e pode passar a usar as
vestimentas da cidadania esclarecida e crítica, ainda que seja para defender
esse ou aquele posicionamento, mas sem se iludir sobre a verdadeira qualidade
(ou falta de qualidade) dos grupos políticos que estão de ambos os lados dessa
contenda.
Por
Victor Lisboa
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