Fonte termal em Kamchakta - Imagem Alamy
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Em
uma parte remota do leste da Sibéria, centenas de vulcões ativos compõem uma
paisagem repleta de milhares de fontes quentes em ebulição. Os russos chamam
essa região de “terra em formação” por causa da frequência com que os vulcões
expelem lava. E a Península de Kamchatka é uma das inóspitas regiões de todos
os continentes do planeta.
Mas
ela contém vida. Na água tóxica e quente das fontes vivem diversos tipos de
micróbios, alguns em temperaturas perto de 100ºC. Mais e mais desses organismos
vivendo em condições extremas estão sendo descobertos a cada ano por
cientistas. Isso é uma boa notícia, não apenas para quem os estuda, mas também
para uma variedade de processos industriais.
Kamchatka
é tão remota que são necessárias nove horas de voo para chegar lá a partir de
Moscou. É uma das regiões vulcânicas mais ativas do mundo, parte do Círculo de
Fogo do Pacífico.
A
cientista russa Elizaveta Bonch-Osmolovskaya, da Academia Russa de Ciências,
visita à região regularmente desde 1982. A maioria de suas expedições teve como
destino a Caldeira de Uzon, uma região do Parque Nacional de Kronotsky formada
pela “implosão” de um vulcão há 200 mil anos.
Extremófilos
A
caldeira é como uma bacia cercada por montanhas e está repleta de fontes
quentes, gêiseres e lagos de lama espalhados por cinco campos termais,
aquecidos por intensa atividade geotérmica nas entranhas do planeta. A rocha é
rica em arsênico, fósforo, cobre, chumbo, antimônio e até ouro. Gases como
metano, sulfeto de hidrogênio, nitrogênio e dióxido de carbono vazam no ar.
Um duto hidrotermal no fundo do Oceano Atlântico - Imagem Alamy
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Trata-se
de um lugar perigoso: alguém pode facilmente cair na água para lá de quente ou
inalar fumaça venenosa. Mas, para muitos micróbios, é ambiente é aconchegante.
E
para biólogos que os estudam, Uzon é um local perfeito. A jornada de
helicóptero até a caldeira dura duas horas. “Não há estradas, e quando viemos
para estudos, precisamos ficar até duas semanas. Claro, precisamos trazer tudo
conosco, de material de camping a instrumentos científicos”, explica Elizaveta.
Em
setembro de 2005. 20 cientistas americanos e russos participaram de uma
expedição conjunta na caldeira que durou cinco anos. Comandados por Juergen
Wiegel, da Universidade de Geórgia, nos EUA, os pesquisadores construíram um
observatório especial para estudar os chamados micróbios “extremófilos”.
A
maioria dos organismos não poderia sobreviver nas fontes quentes, já que
temperaturas próximas do ponto de ebulição da água cozinham material biológico
normal e destroem proteínas, lipídios e material genético.
A
temperatura, porém, não é o único problema nas fontes: algumas piscinas são
extremamente ácidas, ao passo que outras são o oposto: alcalinas. As águas
podem ser bastante salgadas e muitas piscinas são ricas em potássio, ácido
bórico e sulfatos. Há pouco oxigênio.
A Caldeira de Uzon, na Rússia, abriga espécies
recém-descobertas de superbactérias - Imagem Alamy
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As
condições são tão desafiadoras que nenhum organismo mais complexo consegue
sobreviver. Animais sofrem quando expostos a temperaturas muito maiores que
50ºC. A maioria das criaturas vivendo em ambientes extremamente quentes é de
bactérias unicelulares e arqueobactérias. São as mais simples – e,
provavelmente, as mais antigas – formas de vida da Terra. Consistem apenas de
uma célula e carecem da maquinaria celular dos organismos avançados.
A
equipe internacional de cientistas coletou amostras das piscinas e analisou seu
DNA para encontrar pistas sobre a resistência dos micróbios. Os pesquisadores
encontraram uma série microrganismos, incluindo espécies até então
desconhecidas.
A
Desulfurella acetivorans, por exemplo, é uma bactéria que vive em água a 58ºC.
Alimenta-se de acetato orgânico. Em vez de respirar oxigênio, pega sua energia
do enxofre vulcânico, através de um processo conhecido como redução sulfúrica.
O
Thermoproteus uzoniensis, uma nova espécie de arqueobactéria, foi descoberta em
vários locais da caldeira. Em formato de bastões, pode sobreviver em águas
próximas ao ponto de ebulição, alimentando-se de restos de moléculas orgânicas
chamadas peptídeos. Também usa reduções sulfúricas para obter energia.
Cientistas acreditam que essa bactéria é comum na região porque pode ser
carregadas por ventos, água e pássaros.
Já
o Acidilobus aceticus ganhou esse nome por causa da acidez extrema da fonte
quente em que foi encontrado. Além de ácida, a água onde estava media 92ºC. O
micróbio também usa o enxofre para gerar energia e para “respirar”.
Mas
os cientistas também encontraram bactérias vivendo em outros gases, como o
dióxido de carbono, o monóxido de carbono e mesmo em nitratos. “Encontramos
muitas espécies diferentes de bactérias termófilas. Foi muito curioso ver as
que cresciam usando monóxido de carbono, que é normalmente um gás extremamente
tóxico."
Bactérias processam energia a partir de
gases tóxicos para a maioria dos organismos.
Imagem Naturepl.com
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A
mais quente piscina da caldeira tem temperatura de 97ºC e, em uma expedição
recente, pesquisadores encontraram um grande número de micróbios vivendo ali.
Muitos eram bactérias da ordem Aquificales, também já encontradas nas fontes
termais do Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA. Estes organismos obtêm
energia do hidrogênio.
Mas
o que permite que essas criaturas vivam em condições tão inóspitas?
As
bactérias encontradas em Kamchatka e em outras fontes termais ao redor do mundo
têm adaptações únicas: normalmente, as membranas lipídicas que cercam células
vivas são destruídas acima de 50ºC, mas alguns micróbios superam esse problema
usando ligações mais robustas.
E
a membrana é apenas um detalhe: proteínas e enzimas se degradam em altas
temperaturas, assim como o DNA. Mas esses micróbios desenvolveram sequencias
especiais de aminoácidos para reforçar as proteínas e protegê-las, enquanto
íons no interior da proteínas podem também tê-las feito mais estáveis.
Outra
arma no arsenal das bactérias é uma categoria especial de moléculas chamadas
proteínas de choque térmico, que protegem outras proteínas dos efeitos do
calor.
A
proteína de choque térmico, Hsp70 (Crédito: Science Photo Library / Alamy Stock
Photo)
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Há
também evidência de que proteínas em micróbios termofílicos têm presença mais
densa que o normal, os que as protegem de uma espécie de decomposição pelo
calor. Essas estratégias ajudam alguns micróbios a ultrapassar os limites
considerados vitais. O recorde mundial de resistência já foi quebrado algumas
vezes.
Alguns
anos atrás, o Pyrolobus fumarii, uma espécie de arqueobactéria, foi encontrado
num tubo hidrotérmico no fundo do oceano Atlântico. Ele sobrevive a
temperaturas de 113ºC. Mas cientistas já encontraram um outro micróbio a 122ºC,
apelidado de “amostra 121”, em outro tubo térmico, dessa vez no Pacifico. Seus
descobridores afirmam que ele é capaz de sobreviver pelo menos duas horas a
130ºC.
A Caldeira de Uzon em atividade - Imagem
Naturepl.com
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Mas
os cientistas não são os únicos interessados nessas habilidades únicas dos
micróbios. Esses micróbios despertam o interesse comercial de indústrias como a
química e a petroquímica.
Mesmo
a medicina forense já se beneficiou de pesquisas com termófilos. Muitos testes
envolvendo o DNA hoje só são possíveis por causa de um processo chamado
polimerase, que replica o DNA e amplifica seu sinal para ser detectado. A
enzima-replicante responsável pelo processo foi isolada de um termófilo.
As
bactérias vivem em fontes termais como as de Yellowstone
(Crédito: Floris van Breugel/naturepl.com)
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O
mais importante é que micróbios sobrevivendo em extremas condições podem conter
a chave para entender as origens e a evolução da vida primitiva na Terra.
Fontes termais oferecem um retrato de como a vida era nos primórdios do
planeta. Havia pouca luz solar, nenhuma fotossíntese e quase não se encontrava
oxigênio na fina e primitiva atmosfera.
Na
ausência de atmosfera, a radiação ultravioleta destruía o DNA de criaturas
vivas, e isso significa que só havia vida no fundo dos oceanos ou debaixo da
terra, onde organismos encontrariam condições químicas parecidas às de
Kamchatka. Essas condições também simulam algumas já encontradas em outros
mundos em nosso Sistema Solar. Se micróbios podem viver nas fontes termais
terrenas, em uma dieta de energia de vulcões, o mesmo pode acontecer em outros
planetas.
Claro,
para testar isso a viagem é ainda mais longa do que entre Moscou e a Caldeira
de Uzon...
Fonte: BBC Earth.
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