1972.
Cinco anos depois do chamado Summer of Love em San Francisco, nos Estados
Unidos, um marco na história do movimento hippie e da contracultura. Quatro
anos depois das revoltas estudantis em Paris, França. A Guerra Fria vive seu
auge.
O
influente instituto de pesquisas Club of Rome acaba de anunciar um futuro onde
as demandas da população humana em crescimento superam a capacidade da Terra de
supri-las.
A
baleia azul, o maior animal que já existiu, foi caçada de tal forma que está à
beira da extinção.
Testes
com a bomba atômica continuam a banhar o planeta com Estrôncio-90, perigoso
material radiativo resultante de explosões nucleares.
E
do Japão à Europa e América do Norte, venenos produzidos pelo homem afetam
plantas, animais e pessoas.
Economicamente,
o mundo nunca esteve tão bem. Mas os governos começam a se dar conta de que a
natureza está pagando o preço.
Conferência de Estocolmo: primeiro encontro de cúpula da ONU para tratar do meio-ambiente |
Movimento
Popular
No
dia 5 de junho de 1972, na capital da Suécia, Estocolmo, os países começam a
articular uma reação: a Conferência da ONU sobre o Meio-Ambiente Humano, o
primeiro encontro de cúpula da organização para tratar do meio-ambiente, evento
que realmente colocou a questão na pauta política global.
Fora
das negociações, dois grupos completamente diferentes também haviam se reunido.
Um
era um pequeno grupo de cientistas que estava cada vez mais preocupado com
crescimento populacional, poluição e uso crescente de recursos naturais.
O
outro, um conjunto bem maior de pessoas que hoje seria chamado de sociedade
civil, que usava recursos comuns hoje em dia - como marchas, canções,
manifestações e diálogo - para colocar na pauta política questões variadas como
controle da poluição, direitos civis e vegetarianismo.
'Primavera
Silenciosa'
"O
que me motivou foi a mensagem no livro Primavera Silenciosa, de Rachel
Carson", lembra Jan-Gustav Strandenaes, um dos cerca de dez mil
integrantes do Fórum do Povo.
"(O
livro) reuniu uma série de assuntos sobre os quais havíamos lido mas não
havíamos refletido. O desastre de Minamata no Japão, onde todas aquelas pessoas
morreram envenenadas por mercúrio na água e no peixe. E houve um semelhante na
Suécia, onde havia líquidos que afetavam os hormônios enterrados no solo e
contaminando a água fresca".
"Eu
estava observando esses incidentes isoladamente até ler o livro de Rachel
Carson".
Primavera
Silenciosa mostrou como a vida selvagem estava sendo dizimada pelas
poderosas substâncias químicas.
Mais
especificamente, o livro mostrou os danos que o uso indiscriminado de recém
criados herbicidas e pesticidas estava provocando sobre a vida selvagem na
América.
No
entanto, a narrativa mais ampla do livro, englobando Minamata e outros
incidentes, era a de que a tecnologia humana estava saindo do controle.
O
assunto ganhou destaque com o aparecimento, em Estocolmo, de pessoas que haviam
sobrevivido ao desastre de Minamata - trazendo à tona o envenenamento, os
sintomas físicos e mentais e o abafamento do caso pela corporação.
Também
estavam presentes veteranos da Guerra do Vietnã, onde o militares usaram
substâncias químicas desfolhantes como o Agente Laranja para tentar derrotar um
exército guerrilheiro, destruindo, no percurso, florestas e campos, com alto
custo para a saúde da população.
O
envolvimento desse movimento popular que nascia em uma conferência da ONU era
sem precedentes.
Agenda
Política
Embora
o governo sueco e os organizadores da conferência oficialmente dessem as boas
vindas ao Fórum do Povo, está claro que nem todos os delegados do governo
entendiam o que estava acontecendo.
Mas
nas as negociações oficiais, muitos delegados ofereceram mensagens parecidas.
Durante
a conferência, a primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi, disse: "A
minha percepção é de que pessoas que não se entendem com a natureza são cínicas
em relação à humanidade e não estão confortáveis consigo mesmas".
"O
homem moderno precisa restabelecer um vínculo com a natureza e com a
vida".
Mas
países em desenvolvimento - que acabavam de ganhar um aliado com a entrada da
China na ONU (em detrimento de Taiwan) - levantaram um novo conjunto de
questões que quase puseram fim à conferência antes de ela começar.
"Países
em desenvolvimento consideravam boicotar a conferência", lembra Maurice
Strong, o diplomata ambientalista canadense que presidiu a conferência de
Estocolmo para a ONU.
"Eles
achavam que essa nova preocupação com o 'ambiente' era para os ricos e seria
uma distração em relação aos problemas principais, que eram o alívio da pobreza
e a continuação do desenvolvimento".
Países
em desenvolvimento consideravam boicotar a Conferência de Estocolmo"
Nacionalismos
e divisionismos também emergiram em diversas formas.
A
União Soviética e seus aliados, obviamente, ficaram afastados, já que a
Alemanha Oriental comunista não tinha um assento à mesa da ONU. Como resultado,
apenas 113 nações estavam presentes.
Outra
superpotência, no entanto, estava muito em evidência, particularmente quando o
primeiro-ministro da Suécia - Olof Palme - destacou, em termos muito pouco
diplomáticos, as ações dos Estados Unidos no Vietnã, classificando-as de
"ecocídio".
"O
bombardeio indiscriminado, o uso em grande escala de escavadeiras, o uso de
herbicidas, é um ultraje", ele disse.
Em
Estocolmo, os Estados Unidos se recusaram a discutir a questão. Mas fazendo
alianças com alguns dos grupos de campanha, os americanos encontraram uma forma
de driblar a publicidade negativa que estavam recebendo na imprensa: o país
abraçou a causa das baleias.
Os
Estados Unidos já haviam, nesse ponto, interrompido sua caça comercial às
baleias, portanto, tinham alguns aliados, a Grã-Bretanha, a Alemanha e a
Holanda. Os dois únicos países que continuavam com a atividade eram a União
Soviética e o Japão - respectivamente, seus principais inimigos políticos e
econômicos.
Apesar
do fato de que a caça às baleias não havia sido destacada como questão principal
nos documentos que os governos haviam preparado para a conferência, foi passada
uma resolução pedindo uma moratória na sua comercialização.
Este
foi, possivelmente, o resultado da conferência que mais recebeu destaque na
imprensa mundial.
A
questão pode ter sido justificável ecologicamente, mas há poucas dúvidas de que
a motivação principal foi política, pelo menos do ponto de vista do governo.
Não
foi, no entanto, o resultado de maior alcance.
Sociedade
Sustentável
Uma
ação concreta foi a decisão de criar um Programa das Nações Unidas para o
Meio-Ambiente.
Porém,
mais significativa, a longo prazo, foi a nova filosofia evidente na declaração
final. Ela dizia que nações tinham de trabalhar juntas em questões ambientais e
que um meio ambiente saudável era essencial para a prosperidade, a longo prazo,
dos países em desenvolvimento.
Pela
primeira vez, governos reconheciam que a tecnologia poderia trazer danos sérios
ao meio ambiente.
Eles
concordavam que cada país tinha um dever de não poluir os outros e que espécies
ameaçadas precisavam de proteção internacional.
Fogo
em parque nacional no Brasil: desafio ambiental
|
Nem
todo mundo estava satisfeito. O importante biólogo americano Barry Commoner,
por exemplo, argumentava que a declaração da conferência não ia longe o
suficiente. Em vez de concordar em monitorar a poluição, os governos deveriam
ter discutido como desenvolver indústrias que não poluíssem - dizia Commoner.
"Nenhum
país no mundo tinha um Ministério do Meio Ambiente antes de Estocolmo e eu sei
que a delegação norueguesa correu para Oslo e estabeleceu um ministério. Eles
bateram os suecos por algumas semanas".
"Então,
Estocolmo deu início a algo, colocou o meio ambiente na agenda política",
disse Strandenaes.
Internacionalmente,
essa agenda resultaria, em 1987, na Comissão de Brundtland e sua famosa
definição de sociedade sustentável como aquela que "atende às necessidades
do presente sem comprometer a habilidade de gerações futuras de atender às suas
próprias necessidades".
Ela
também levaria à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento Humano no Rio de Janeiro, em 1992, ou Rio 92. Desta última
nasceram as convenções sobre mudança climática, biodiversidade e desertificação,
além da Agenda 21 para desenvolvimento sustentável.
Fazendo
História
O
próximo marco também acontecerá no Rio. A Conferência da ONU sobre
Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, que deve trazer cerca de 130 líderes
mundiais assim como ministros, diplomatas, empresários e, calcula-se, cerca de
70 mil ativistas para o Brasil a partir desta quarta-feira.
E
muitos argumentariam que a necessidade de uma ação decisiva nunca foi tão
grande. Governos têm feito tanto desde Estocolmo para aliviar a pobreza e reduzir
o declínio do meio ambiente mas, ainda assim, um bilhão de pessoas passa fome e
os danos à natureza continuam.
Hoje
aos 83 anos, ainda envolvido com a causa, Maurice Strong não tem certeza se a
Rio+20 vai de fato trazer mudanças profundas.
"Sou
analiticamente pessimista, acredito que corremos perigo de não fazer o que
devemos para a sobrevivência da vida humana e sua sustentabilidade", ele
diz.
"Mas
estou operacionalmente otimista, porque enquanto houver esperança - e ainda há
- devemos continuar a trabalhar para (pelo meio ambiente)."
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