Ideia
é ir além da água da privada e renovar toda a água que escorre pelos ralos
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O
nome assusta e é pouco fiel à realidade de uma iniciativa que já está sendo
adotada em algumas partes do mundo. O "toilet-to-tap" (ou "da
privada para a torneira", em tradução literal) é uma técnica que
reutiliza, para o consumo interno e externo, toda a água que escorre pelos
ralos (inclusive a da descarga das privadas).
Se
a ideia parece, literalmente, dura de engolir, é bom saber que técnica envolve
a filtragem e o tratamento da água "suja", deixando-a tão pura como a
água de uma nascente – talvez ainda mais. Alguns bons exemplos disso vêm da
Austrália.
A
água residual reciclada é segura para o consumo e tem o mesmo gosto que
qualquer outra água potável. "Na realidade, podemos dizer que esse tipo de
água é até relativamente doce", afirma Anas Ghadouani, engenheiro
ambiental na Universidade Western Austrália.
Estimuladas
por problemas causados pelo aumento populacional e por secas intensas
semelhantes às enfrentadas pelo Brasil recentemente, muitas cidades do mundo já
estão incorporando água residual reciclada no abastecimento para o consumo.
Reciclar
não é apenas uma necessidade – um futuro sustentável no gerenciamento da água
vai exigir projetos como esses. "Não há dúvidas de que isso vai
acontecer", opina Ghadouani.
Recurso abundante
Cientistas
acreditam que reciclagem de águas residuais pode diminuir consumo de fontes tradicionais
- Foto Luke Peterson
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Águas
residuais são muito mais do que a água da privada. Pense em toda a água que
escoa pelo ralo toda vez que você lava uma fruta ou o seu carro. Trata-se de um
recurso abundante e pouquíssimo explorado.
"É
uma fonte de água garantida e mais barata", afirma Peter Scales,
engenheiro químico da Universidade de Melbourne, na Austrália. Segundo ele, se
uma cidade de porte médio reciclasse todas as suas águas residuais, seu consumo
de fontes tradicionais cairia em 60%.
O
uso das águas residuais para irrigação e outros fins não alimentares já é
comum. Sua tecnologia é a mesma usada para tratar o suprimento de água potável
que tenha sido contaminado.
Ela
consiste em, primeiramente, filtrar todos os depósitos sólidos contidos na
água. Depois, em um processo chamado de osmose inversa, faz-se a filtragem das
partículas menores. Em seguida, como medida extra de precaução, a água é
exposta rapidamente a radiação ultravioleta, para exterminar possíveis
micróbios.
"Somos
capazes de oferecer água muito pura – mais pura do que a água que atualmente é
retirada de rios e reservatórios", diz Scales.
Fator “nojo”
Inevitavelmente,
o fator "nojo" também tem seu papel. Recentemente, o psicólogo Paul
Rozin, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, realizou uma
pesquisa com 2 mil pessoas e descobriu que, apesar de 49% se dizerem dispostas
a experimentar a água residual reciclada, 13% se recusaram, enquanto o resto se
mostrou indeciso.
Para
algumas pessoas, nem mesmo as circunstâncias mais dramáticas conseguem fazê-las
mudar de ideia. Em 2006, por exemplo, a cidade de Toowoomba, no leste da
Austrália, tentou implementar a reciclagem de águas residuais após anos de
seca. Mas os planos foram literalmente por água abaixo, com 62% da população
tendo votado contra o projeto em um referendo. "A reciclagem de água é
algo com enorme força, mas politicamente é um problema", afirma Scales.
A
dessalinização da água do mar é outro recurso para driblar secas
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Hoje,
empresas como a Water Corporation, que administra o fornecimento de água em
Perth e todo o oeste da Austrália, têm integrado água reciclada a sua própria
rede de abastecimento.
O
oeste da Austrália já é um dos locais mais secos da Terra, sofrendo com a falta
de água há mais de 15 anos. As mudanças climáticas só tendem a piorar a
situação. Para aliviar, a Water Corporation recorreu à dessalinização em 2006,
usando usinas de tratamento para transformar água do mar em água doce.
O
processo é caro, mas eficiente. Hoje, ele responde por 39% do fornecimento de
água da região. As águas subterrâneas representam 43% do suprimento, enquanto o
resto vem de reservatórios. Mas com a seca persistente, a água residual
reciclada pode oferecer mais segurança a um custo mais baixo.
A
empresa adotou um modelo semelhante ao que foi visto no Orange County, na Califórnia:
bombear as águas residuais para aquíferos a fim de reabastecer o suprimento de
águas subterrâneas. Os aquíferos servem como "armazenamento" gratuito
e agem como uma espécie de fator psicológico que ajuda a minimizar o
"nojo".
Os
planos da Water Corporation são de aumentar o uso dessa água reciclada até que
ela responda por 20% do abastecimento da cidade de Perth.
Riquezas da chuva
A
combinação de reciclagem, dessalinização e preservação ambiental está ajudando
Perth a se tornar resistente a secas. "Nós nos tornamos um exemplo
internacional no que se refere à maneira como respondemos às mudanças
climáticas", afirma Clare Lugar, porta-voz da Water Corporation.
Essa
abordagem interdisciplinar é fundamental. Segundo Scales, outra fonte de água
ainda subaproveitada são as chuvas. "Se conseguirmos reciclar as águas
residuais e coletarmos toda a água da chuva que cai pelas calhas, seria
possível abastecer uma cidade inteira", diz.
Mas
convencer a população e construir toda a infraestrutura necessária para aproveitar
a água das chuvas levaria anos ou até décadas.
Lugares
como Cingapura, Bélgica, a cidade de Windhoek, na Namíbia, e Wichita Falls, no
Texas, já começaram reciclar águas residuais.
Na
maioria das grandes metrópoles mundiais, como as da Ásia ou da América do Sul,
a falta de água potável pode levar a doenças - no Brasil, por exemplo, é comum
haver focos de dengue em locais de seca.
"O
suprimento de água nesses locais é contaminado por águas residuais",
afirma Scales. "Mas o tratamento dessa água contaminada é semelhante ao
que é feito na reciclagem."
Por
isso, não importa o nome dado à iniciativa – purificação, reciclagem ou
"toilet-to-tap". Todos estão por trás da mesma ideia: oferecer água
limpa a todos.
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