Imaginemos
a Terra daqui a cem anos. Suponhamos que os esforços da Humanidade tenham dado
errado e um levante de robôs tenha eliminado todos os seres humanos do planeta
– um destino previsto por Stephen Hawking em 2014.
Mas um
casal sobreviveu. Será que ele seria suficiente para repovoar o planeta?
A
resposta é mais do que uma curiosa discussão de mesa de bar. Das pesquisas da
Nasa sobre o número de pessoas necessárias para colonizar um novo planeta a
decisões de biólogos sobre a preservação de espécies ameaçadas, trata-se de um
assunto cada vez mais importante e urgente no cenário internacional.
Humanos têm capacidade de recuperar suas
populações em pouco tempo, segundo estudos
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A
primeira geração descendente desse casal fictício seria de irmãos e irmãs que
teriam que se procriar entre si. Mas o incesto não só é um enorme tabu como
também é muito perigoso.
Um estudo
com crianças nascidas na antiga Tchecoslováquia entre 1933 e 1970 mostrou que
quase 40% daquelas cujos pais eram parentes em primeiro grau apresentavam
deficiências graves, enquanto 14% morreram ainda na infância.
Probabilidades aumentadas
Para
entendermos por que a consanguinidade é tão perigosa, precisamos nos lembrar
das aulas de genética.
Todos nós
temos duas cópias de todos os genes, um da mãe e outro do pai. Mas algumas
variações genéticas não se manifestam, a não ser que os dois genes sejam
exatamente iguais. São as chamadas variações “recessivas”, que escapam do radar
evolutivo porque sozinhas não causam problemas.
Quando o
casal tem um parentesco, não demora muito para esse “disfarce” cair. É o caso,
por exemplo, da acromatopsia, um distúrbio recessivo raro que provoca o
daltonismo. Se um de nossos sobreviventes pós-apocalipse tiver esse gene, há
25% de chance de eles terem um filho com o mesmo gene.
Até aí
tudo bem. Mas depois de apenas uma geração de casamentos consanguíneos, o risco
dispara – 25% de chance de um filho ter os dois genes e apresentar o
distúrbio. Isso significa 1 chance em 16 de que cada neto daquele casal
original nasça com a doença em si.
Foi isso
o que aconteceu com os habitantes de Pingelap, um atol isolado no oeste do
Pacífico. A população inteira descende de apenas 20 sobreviventes de um tufão
que atingiu o local no século 18. Um deles tinha o gene da acromatopsia. Hoje,
10% da população é daltônica.
Os efeitos negativos dos casamentos consanguíneos
surgiram nas famílias reais da Europa
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Os riscos da realeza
Mesmo
tendo em mente esses riscos, se os sobreviventes de nossa experiência tivessem
muitos filhos, pelo menos alguns deles seriam saudáveis. Mas o que acontece
quando a consanguinidade prossegue por centenas de anos?
Não é
preciso ir para uma ilha isolada para descobrir isso. Há uma comunidade no
mundo que costuma promover o casamento entre parentes próximos: as famílias
reais europeias. Com nove gerações de casamentos estratégicos entre primos,
tios e sobrinhos ao longo de 200 anos, os Habsburgos, da Espanha, se revelaram
uma espécie de grande laboratório natural.
Carlos 2º
foi a vítima mais famosa dentro da família. Nascido com várias deficiências
físicas e mentais, o rei só aprendeu a andar aos 8 anos de idade. Quando
adulto, sua infertilidade resultou na extinção de toda uma dinastia.
Em 2009,
uma equipe de cientistas espanhóis descobriu a origem das aflições do rei. Seus
ancestrais eram tão emaranhados que seu “coeficiente de consanguinidade” era
maior do que se tivesse sido gerado por um casal de irmãos.
Queda na qualidade reprodutiva
Essa
também é a medida usada por ecologistas para avaliar os riscos genéticos
enfrentados por espécies ameaçadas.
“Em uma
população reduzida, todos os indivíduos acabarão sendo parentes em algum
momento. Conforme o parentesco aumenta, os efeitos da consanguinidade se tornam
mais importantes”, explica Bruce Robertson, zoólogo da Universidade de Otago,
na Nova Zelândia.
Ele é
especializado no estudo dos kakapos, uma espécie de papagaio gigante que não
voa que é típica do país mas hoje só tem 125 representantes no planeta.
Uma das
maiores preocupações dos biólogos são os efeitos da consanguinidade na
qualidade dos espermatozoides. Isso aumentou a proporção de ovos que não
resultam em nascimento de filhotes de 10% para 40%. “É um exemplo do problema
causado pela exposição a falhas genéticas recessivas em uma população”, diz
Robertson.
Evolução e imunidade
Espécies
ameaçadas também enfrentam riscos a longo prazo. Apesar de elas já estarem bem adaptadas
a seu ambiente, a diversidade genética permite que as espécies evoluam para se
adaptar a futuras mudanças. E a imunidade é provavelmente a característica mais
importante trazida pela evolução.
“Trata-se
de um aspecto que muitas espécies parecem dispostas a preservar, ao procurarem
parceiros com uma composição imunológica diferente, para que os filhotes
apresentem uma gama maior de defesas. Nós, humanos, também fazemos isso”,
afirma Philip Stephens, zoólogo da Universidade de Durham, na Grã-Bretanha.
Mas mesmo
se nossa espécie conseguisse se reproduzir e sobreviver, teríamos humanos
irreconhecíveis em relação ao que somos hoje.
Quando
pequenos bolsões de indivíduos permanecem isolados por muito tempo, eles se
tornam suscetíveis à perda da diversidade genética. Os novos humanos não só
iriam ter uma aparência e uma voz diferentes, como também poderiam ser uma
espécie totalmente distinta.
Proteção de espécies
Então,
qual a variedade genética necessária para uma reprodução bem-sucedida?
Essa é
uma discussão que começou nos anos 80, quando um cientista australiano propôs
uma regra básica: a de que são necessários 50 reprodutores para evitar
problemas reprodutivos decorrentes da consanguinidade, e outros 500 indivíduos
para que a população consiga se adaptar ao ambiente”, explica Stephens.
Essa
regra ainda é usada hoje em dia, mas os números foram aumentados para 500
reprodutores e 5 mil indivíduos a mais, para compensar perdas aleatórias de
genes passados de uma geração para a outra. É o critério usado para manter o
catálogo das espécies mais ameaçadas do mundo.
Mas antes
de desistir daquele casal de sobreviventes, lembremos que somos a prova viva
das falhas inerentes desse conceito.
Segundo
evidências arqueológicas e anatômicas, nossos ancestrais não teriam atingido
essa meta populacional, já que apenas mil indivíduos viveram durante um período
de 1 milhão de anos.
Entre 50
mil e 100 mil anos atrás, enfrentamos novas dificuldades quando nossos
ancestrais emigraram da África. Fomos deixados com uma diversidade genética
impressionantemente baixa.
Um estudo
realizado em 2012 sobre as diferenças genéticas de grupos vizinhos de
chimpanzés indicou que há mais diversidade em cada um deles do que entre todos
os 7 bilhões de seres humanos que vivem hoje na Terra.
Colonizando outro planeta
Em 2002,
o antropólogo John Moore publicou um estudo pela Nasa, no qual calculou a
quantidade de indivíduos necessários para colonizar um novo planeta. Ele fez
uma estimativa moldada nos pequenos grupos nômades da pré-História – cerca de
160 pessoas.
Moore
recomendou começar com casais jovens e sem filhos, e testá-los para a presença
de genes recessivos potencialmente perigosos.
Seus
números permitem 200 anos de isolamento antes que os pioneiros colonizadores
pudessem voltar à Terra.
Basicamente,
se o apocalipse não destruir as bases da civilização moderna, a Humanidade pode
reflorescer de maneira surpreendentemente rápida.
Na virada
do século 20, os huteritas da América do Norte, cuja comunidade (semelhante à
dos Amish) é altamente consanguínea, atingiram o maior nível de crescimento
populacional já registrado, dobrando a cada 17 anos.
Pode
parecer muito, mas se cada mulher do futuro tivesse oito filhos, poderíamos
voltar a ser 7 bilhões em apenas 556 anos.
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