A Baía de Sepetiba é um reduto de águas calmas na região fluminense da Costa Verde. Em seu interior, destacam-se diversas ilhas formadas por praias arenosas, protegidas das fortes ondas oceânicas pela restinga de Marambaia. Mas esse cenário natural, que ainda abriga áreas preservadas de Mata Atlântica, já sofre com os efeitos da ocupação do homem, visíveis no crescente número de casas de veraneio e na falta de tratamento de efluentes domésticos. Partindo da premissa de que o conhecimento da região é o primeiro passo para a preservação do local, um projeto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) propõe um inventário da macrofauna e a caracterização de 12 dessas praias arenosas, distribuídas em cinco ilhas da Baía de Sepetiba: Jaguanum, Itacuruçá, Jardim, Bonita e Marambaia.
Ao todo, os pesquisadores coletaram 7.817 espécies ao longo das praias das cinco ilhas observadas na Baía de Sepetiba |
De acordo com o coordenador do projeto e responsável pelo Laboratório de Ecologia Marinha (Ecomar) da UniRio, o biólogo Ricardo Silva Cardoso, que é professor do Departamento de Ecologia e Recursos Marinhos e pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da universidade, a escolha do tema é um dos diferenciais do trabalho. Segundo ele, existem poucos dados sobre praias localizadas no interior de baías, onde o efeito das ondas é minimizado. No caso da Baía de Sepetiba, faltava analisar as praias arenosas em relação ao seu grau de exposição às ondas – mais protegidas e mais expostas, e caracterizar a macrofauna – o conjunto de animais que vivem no substrato dos ecossistemas aquáticos, e que são visíveis a olho nu. “Já que pouco se sabia sobre a macrofauna das praias da Baía de Sepetiba, o projeto permitiu completar essa lacuna no conhecimento. A possibilidade de detectar e avaliar alterações causadas pelo homem nessas áreas exige um conhecimento prévio de todos os aspectos do ecossistema”, explica Cardoso. A iniciativa recebeu apoio da FAPERJ pelo edital Primeiros Projetos.
Inventário da macrofauna
Para traçar um perfil dessa macrofauna nas praias das ilhas escolhidas, o pesquisador coletou, com sua equipe, um total de 7.817 exemplares de animais – todos invertebrados. “Os moluscos e crustáceos foram os grupos taxonômicos dominantes, compreendendo, juntos, 66,2% do total de exemplares coletados. Foram 35,2% de moluscos e 31% de crustáceos”, diz Cardoso. “Em termos de densidade – a quantidade de organismos por unidade de área – e de biomassa, esses dois grupos somaram cerca de 90% de densidade total da macrofauna”, completa.
As coletas foram realizadas em épocas de maré baixa, tanto no inverno quanto no verão, de 2007 a 2009. “O maior número de espécies foi registrado na ilha de Itacuruçá, seguido pelas ilhas de Jaguanum, Bonita, Marambaia e Jardim. A ilha de Itacuruçá, que é a que mais sofre com os efeitos da intensa ocupação humana, também apresentou a maior densidade de macrofauna entre os locais estudados. Já a ilha de Jaguanum teve a menor densidade”, detalha o pesquisador. Um desdobramento interessante da coleta desses animais foi a descoberta de um novo gênero de crustáceo, baseado em uma espécie nova, Ruffosius fluminensis, descrita pelo biólogo Jesser F. Souza-Filho, do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Esse crustáceo foi encontrado nas ilhas de Itacuruçá e Jaguanum”, explica Cardoso.
O crustáceo Ruffosius fluminensis, encontrado nas ilhas de Itacuruçá e Jaguanum: novo gênero |
Características físicas das praias
As características físicas das praias influenciam na composição da macrofauna. Para investigar essa relação, o pesquisador considerou aspectos como os tamanhos dos grãos de areia, o declive e o comprimento das praias, e a distância da boca da baía. “Estudamos praias com diferenças granulométricas e com diferentes graus de exposição às ondas, para entender como estes fatores influenciam na constituição da macrofauna. Quanto maior a exposição das praias aos efeitos das ondas fortes, mais severo se torna o ambiente e, consequentemente, menor a quantidade de animais nelas encontradas. Nelas, há mais crustáceos, que têm mais habilidade de se proteger da ação das ondas”, justifica.
Apesar de todas as praias estarem localizadas em águas pacíficas no interior da Baía de Sepetiba, cada uma apresenta uma posição peculiar em relação à boca da baía. Essa diferença geográfica evidenciou diferenças físicas notórias no estudo. “Por estarem em um local mais distante da boca da baía e protegidas das fortes ondas, as praias observadas na ilha de Itacuruçá apresentaram maior densidade de moluscos. Já nas ilhas de Jaguanum e Bonita, mais próximas da boca da baía, por exemplo, os crustáceos se destacaram em relação aos moluscos e poliquetos”, diz.
Mutação em moluscos por substância poluente
O estudo revelou ainda os impactos negativos da poluição na Baía de Sepetiba sobre os moluscos Nassarius vibex. Exemplares dessa espécie coletados na praia de Flexeira, ilha de Itacuruçá, mostraram sinais de um estranho fenômeno: o imposex. Trocando em miúdos, as fêmeas Nassarius vibex passaram a apresentar características sexuais masculinas, devido a uma mutação causada pelo contato com substâncias químicas poluentes, comuns nas embarcações que transitam na baía. “O fenômeno de imposex provavelmente é causado pela presença de componentes usados em tintas anti-incrustantes de barcos a base de tributilestanho (TBT) e trifenilestanho (TPT), além de outros, como cobre, bifenilas policloradas e policlorato de bifenilas”, explica Cardoso. “Com as mutações sofridas, o número de fêmeas capazes de se reproduzir diminui, o que pode comprometer a perpetuação de toda a espécie”, alerta.
O molusco Nassarius vibex: fêmeas da espécie sofrem mutação pelo contato com substância química na água |
O próximo passo do professor Ricardo Cardoso será expandir o estudo para além da Baía de Sepetiba. Pensando nisso, ele se prepara para fazer um inventário de 36 praias arenosas do estado do Rio de Janeiro – desde a região norte fluminense (Macaé) até a baía de Angra dos Reis (Costa Verde), passando pelo sul do litoral fluminense. Este projeto de grande porte, que está sendo financiado pela FAPERJ, por meio do programa de Apoio ao Estudo da Biodiversidade (Biota-Rio), vai considerar as características físicas das praias e investigar as possíveis alterações, pela ação humana, nas suas respectivas macrofaunas. “Vamos incluir, neste novo projeto, a quantificação de metais pesados nos organismos da macrofauna e a distribuição desses organismos ao longo do litoral fluminense, de acordo com o espaço e o tempo. Também vamos medir os níveis de coliformes fecais dessas praias, para ver suas condições de balneabilidade”, conclui.
O estudo foi realizado nas seguintes praias arenosas da Baía de Sepetiba: praias de Flexeiras, Boi, Gamboa e Leste, na ilha de Itacuruçá; praias de Catita, Escalhau, Estopa, Pitangueiras e Ponta Sul, na ilha de Jaguanum; praia do Píer, na ilha da Marambaia; e praias de Bonita e do Jardim, nas respectivas ilhas homônimas. Diversos trabalhos acadêmicos – monografias e dissertações de mestrado – foram produzidos no escopo do projeto. Entre os artigos científicos destaca-se um paper publicado na revista italiana Marine Ecology. Além do coordenador e professor Ricardo Silva Cardoso, participaram do projeto o professor Carlos Henrique Soares Caetano, responsável pelo Laboratório de Zoologia Marinha (Zoomar), do Departamento de Zoologia da UniRio; o doutorando Gustavo Mattos, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); os mestrandos Tatiana Medeiros Barbosa Cabrini, Ludmila Brandão Galhardo e Felipe Meireis de Oliveira e Silva, todos do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Neotropical da UniRio; os biólogos da UniRio Bruna Alves Zavarize e Fabio Sendim Manoel; e os graduandos Renata Tedeschi e Arthur Justen, também da instituição.
Fonte: FAPERJ/ Débora Motta
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