Quando, diante de um perigo iminente que põe sua vida em risco – como o enfrentamento com bandidos fortemente armados – um policial se mostra incapaz de esboçar reação e literalmente paralisa, os companheiros de farda costumam dizer que ele "colou placa". A gíria policial, na verdade, classifica de forma depreciativa uma das estratégias de defesa involuntárias mais frequentes de animais diante do perigo. O que uma equipe de pesquisadores agora confirmou em laboratório foi que a reação é também frequente em seres humanos. Os resultados foram objeto de um artigo científico, publicado recentemente no periódico Biological Psychology , do grupo Elsevier, também disponível em versão on-line.
Como explicam os professores Eliane Volchan, do Instituto de Biofísica, e Ivan Figueira, do Instituto de Psiquiatria, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em projeto que uniu seus colegas das universidades Federal Fluminense (UFF), Federal de Ouro Preto (Ufop) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), trata-se de uma reação involuntária do organismo e bem mais comum do que se imagina. É, por exemplo, o que acontece muitas vezes com mulheres vítimas de estupro. "Muitas delas passam a se sentir culpadas, especialmente quando lhes perguntam por que não gritaram ou por que não lutaram, quando, na verdade, não teriam a menor condição para isso", dizem os pesquisadores.
Reação já descrita na literatura, a imobilidade tônica é uma das estratégias involuntárias de defesa bastante difundida em várias espécies. "Na natureza, é uma reação adaptativa, com que alguns animais conseguem escapar de um predador. Imóveis, sem se debater, muitas vezes eles provocam o desinteresse do predador e passam a ter maiores chances de sobrevivência", explica Volchan.
Em cima, o gráfico mostra a imobilidade do corpo. Na figura inferior, há maior movimentação corporal. |
O que a pesquisa de Volchan e colaboradores, desenvolvida com apoio da FAPERJ, por meio do Edital de Apoio a Instituições de Ensino e Pesquisa Sediadas no Estado do Rio de Janeiro, procurou comprovar é como essa mesma reação acontece nos seres humanos. "Isso pode ser particularmente importante para, num segundo momento, se traçar formas de diagnóstico e de tratamento para pacientes com transtorno de estresse pós-traumático", analisa a pesquisadora. "Publicamos recentemente análises da relação entre a ocorrência da paralisia durante o evento traumático e a gravidade dos sintomas deste transtorno", afirma Volchan, que é Cientista do Nosso Estado.
Parte integrante da cascata defensiva do organismo, a imobilidade tônica é o auge de uma situação de extremo estresse. "A pesquisa foi realizada em vítimas de violência urbana, cerca de metade delas pacientes com transtorno de estresse pós-traumático em tratamento no Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Utilizando uma plataforma de força, foram medidas as oscilações de postura de cada voluntário ao ouvir a gravação com o relato da situação de risco de vida que ele havia vivenciado", relata Figueira. Como explicam os pesquisadores, ao ouvir sua experiência pessoal, alguns voluntários revivem toda a situação e voltam a ter reação de paralisia.
"Na plataforma de força, pudemos constatar de forma evidente essa reação, já que o equipamento mostrou que a área de oscilação corporal se apresentava extremamente reduzida, sinalizando imobilidade. Além disso, esta imobilidade era acompanhada de uma aceleração dos batimentos cardíacos", explica Figueira. Entre os pacientes com transtorno de estresse pós-traumático a reação de imobilidade tônica foi mais frequente e mais intensa do que os que não apresentavam esse quadro.
Esse tipo de reação escapa ao controle voluntário e, em geral, aumenta as chances de sobrevivência em uma situação de risco intenso. "Contudo, em alguns contextos, ela pode ser desvantajosa. Em desastres, como incêndios, desmoronamentos ou queda de avião, a paralisia involuntária pode impedir que as pessoas escapem", diz Volchan.
"O estudo mostrou que a imobilidade tônica é uma reação automática e incontrolável frente a ameaças extremas, que todos nós podemos apresentar. O reconhecimento da existência de imobilidade tônica em humanos, ainda incipiente, é um passo essencial para aliviar a culpa e o preconceito associados à sua ocorrência", resumem os pesquisadores.
Fonte: FAPERJ
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