Entre junho de 2010 e 2016 foram notificados
quase 230 mil casos novos de sífilis no Brasil.
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O
Ministério da Saúde admitiu nesta semana que o Brasil enfrenta uma epidemia de
sífilis. Entre junho de 2010 e 2016 foram notificados quase 230 mil casos novos
da doença, de acordo com o último boletim epidemiológico do governo.
Três em
cada cinco ocorrências (62,1%) estavam no Sudeste e a transmissão de gestantes
para bebês é atualmente o principal problema.
A
situação foi qualificada como "epidemia" somente agora, mas vem se
desenvolvendo há mais tempo.
Em 2015,
por exemplo, no país todo, foram notificados 65,878 casos. A maioria desses
ocorreu na região Sudeste (56,2%) e afetou pessoas na faixa etária dos 20 aos
39 anos (55%), que se auto-declaram da raça branca (40,1%).
Não há
dados majoritários sobre o nível de escolaridade, pois em 36,8% dos casos
reportados essa informação não foi preenchida.
Em 2010,
a incidência da doença em homens era maior - cerca de 1,8 caso para cada caso
entre mulheres. Essa média caiu para 1,5 homem/mulher em 2015. Ou seja, as
mulheres são o grupo cuja vulnerabilidade vem aumentando.
Os casos
de sífilis congênita, de transmissão da mãe grávida para o bebê, também
cresceram expressivamente.
No ano
passado, a cada mil bebês nascidos, 6,5 eram portadores de sífilis. Somente
cinco anos antes, em 2010, esse número era de 2,4 bebês em cada mil
nascimentos. Ou seja, a incidência da sífilis congênita praticamente triplicou
em meia década.
A BBC
Brasil conversou por email com a médica colaboradora da Organização Mundial de
Saúde (OMS), Nemora Barcellos, para entender a doença e a epidemia atual. Leia
abaixo os principais pontos da conversa:
BBC
Brasil - O que é sífilis?
Nemora
Barcellos - Sífilis
é uma doença infecciosa sistêmica, crônica. Ela se manifesta em diferentes
estágios. Sem tratamento, apresenta evolução em fases: inicialmente com feridas
na pele, pode evoluir para complicações que levam ao óbito, podendo afetar o
sistema cárdio-vascular e neurológico. A causadora da doença é a Treponema
pallidum, uma bactéria espiralada altamente patogênica. A sífilis é uma
infecção muito antiga e recebeu inúmeras denominações ao longo dos séculos.
BBC
Brasil - Quais são as formas de transmissão?
Dra
Barcellos - A
principal forma de transmissão é o contato sexual. A gestante também, por via
hematogênica (pelo sangue), transmite para o feto a bactéria em qualquer fase
da gravidez ou em qualquer estágio da doença. A transmissão via transfusão de
sangue pode ocorrer, mas atualmente é muito rara, em função do controle do
sangue doado.
BBC
Brasil - Quais as formas de prevenção?
Dra
Barcellos - A
principal forma de prevenção é o uso de preservativos no ato sexual. O
tratamento correto e completo também é considerado uma forma eficaz de
controle, pois interrompe a cadeia de transmissão. O tratamento de ambos os
parceiros é muito importante na prevenção para impedir que ocorra a
re-infecção, garantindo que o ciclo seja interrompido.
Em
relação à sífilis na gestante e à sífilis congênita, é importante o diagnóstico
precoce. É necessário testar todas as mulheres que manifestarem o desejo de
engravidar. Um pré-natal qualificado pressupõe como rotina exames para o
diagnóstico da sífilis no primeiro trimestre, de preferência já na primeira
consulta.
Uma epidemia de sífilis vem sendo
reconhecida no Brasil nos últimos anos.
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BBC
Brasil - As pessoas devem estar atentas a quais sintomas para suspeitar da
doença? E como devem reagir nesse caso?
Dra
Barcellos - O
primeiro sintoma, o cancro duro, no homem é mais visível. O problema maior é
seu desaparecimento espontâneo dando a impressão de que a cura ocorreu sem
tratamento. Nas mulheres, por questões anatômicas, não é raro o cancro duro
inicial passar desapercebido. O histórico de prática sexual sem uso de preservativos
deve ser investigado com seriedade em consultas, seja na atenção básica, seja
com especialistas da área de ginecologia ou urologia. A existência de testes
rápidos para sífilis facilita muito a investigação.
BBC
Brasil - Quais as principais causas da atual epidemia de sífilis?
Dra
Barcellos - O
esgotamento do impacto das campanhas de uso de preservativos e da sua ampla
disponibilização parece ser um dos fatores do recrudescimento dos casos de
sífilis. Por outro lado, a implicação do desabastecimento de penicilina afeta a
evolução individual da doença e a possibilidade de cura. A ideia é que muitos
fatores estão implicados no presente crescimento dos casos. Corroborando essa
ideia vale ressaltar que o crescimento da epidemia se iniciou antes de se
tornar visível e importante a falta do medicamento.
BBC
Brasil - Por que a sífilis congênita é o maior problema agora?
Dra
Barcellos - A
sífilis congênita, passada de mãe para filho, dependendo da intensidade da
carga bacteriana, pode resultar em aborto, natimorto ou óbito neonatal. A
doença também pode ficar disfarçada e causar o nascimento prematuro de bebês
com baixo peso, com outros sintomas como coriza mista de sangue e ranho, sinais
e sintomas ósseos, inchaço do fígado e do baço, pneumonia, edemas, fissuras nos
orifícios, entre outros males, que podem resultar na morte da criança. Mas o
tratamento, quando adequado e precoce, oferece uma excelente resposta.
Os casos
de sífilis congênita representam um indicador perverso das lacunas ainda
existentes no sistema de saúde vigente, incapaz de identificar mulheres mais
vulneráveis e oferecer-lhes acesso e qualidade no cuidado pré-natal.
Cancros são um dos sintomas da
doenças, mas seu desaparecimento não indica cura.
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BBC
Brasil - Como a doença se desenvolve?
Dra
Barcellos - Na
população em geral, a sífilis apresenta diferentes formas de manifestação, de
acordo com o período de evolução da doença:
1)
Sífilis Adquirida Recente:
Sífilis
primária - apresenta lesão genital inicial denominada cancro duro, uma espécie
de ferida rígida, com inflamação periférica, que costuma desaparecer
espontaneamente em cerca de 4 semanas. O período de incubação médio é de 21
dias;
Sífilis
secundária - manifestações da disseminação da bactéria no organismo, o que
ocorre após 4 a 8 semanas do desaparecimento da primeira ferida. Aparecem então
lesões de cor rosada eruptiva, parecidas com o sarampo, mas que não coçam. Essa
é a manifestação mais precoce da sífilis secundária. Outras lesões podem surgir
posteriormente, como manchas e feridas nas palmas das mãos e dos pés, na boca,
inchaço dos nódulos linfáticos e glândulas, queda de cabelo em formato de
"clareira" e condilomas planos; que são erupções na região
genital-anal.
A Sífilis
Latente Precoce é silenciosa, não apresenta manifestações clínicas e só a
sorologia pode dar o diagnóstico.
2)
Sífilis Adquirida Tardia:
A Sífilis
Adquirida Tardia inclui a Sífilis Latente Tardia e ocorre se os portadores da
infecção não foram adequadamente tratados ou diagnosticados. O período que a
doença permanece no organismo sem se manifestar é variável.
As formas
de apresentação desta fase da doença, também conhecida como Sífilis Terciária,
ocorrem em períodos que vão de 2 a 40 anos e são:
Sífilis
tardia cutânea - lesões na pele em forma de gomos e nódulos altamente
destrutivas; Sífilis óssea; Sífilis cardiovascular - aortite sifilítica,
principalmente, determinando insuficiência cardíaca; Sífilis do sistema
nervoso.
BBC
Brasil - Como é o tratamento?
Dra
Barcellos - A
penicilina G é a droga preferencial para o tratamento da sífilis em todos os
estágios da doença. O tipo do antibiótico (benzatina ou cristalina), a via (se
por soro ou injeção) e a dosagem dependem das manifestações clínicas e da presença
ou não de co-infecção pelo HIV, vírus da Aids. A sífilis terciária necessita um
período maior de tratamento. A efetividade da penicilina no tratamento da
sífilis está muito bem estabelecida e baseada na experiência clínica de muitas
décadas, em estudos observacionais e em ensaios clínicos.
Os casos
de sífilis congênita devem ser tratados com penicilina G cristalina e o
acompanhamento da criança também está condicionado à adequação do tratamento da
mãe. Portadores de alergia à penicilina podem se beneficiar de
dessensibilização controlada.
BBC
Brasil - A falta de penicilina foi um fator preponderante?
Dra
Barcellos - O
desabastecimento de penicilina, embora mais sentido no Brasil, em função do
aumento do número de casos e da maior necessidade de medicamentos, não é uma
exclusividade brasileira. Ele foi também sentido nos Estados Unidos e Canadá. A
gravidade é que o quadro de desabastecimento não parece representar um problema
pontual ou temporário.
A
penicilina benzatina é um produto barato, para populações na maioria das vezes
marginalizadas e que provavelmente confere um lucro baixo aos fabricantes. O
desinteresse das empresas farmacêuticas na produção dessa substância se alinha
ao desinteresse na produção de pesquisa e de novas drogas para outras doenças,
também características de países em desenvolvimento, conhecidas como doenças
negligenciadas, na sua maioria infecciosas.
BBC
Brasil - Como é a situação da indústria farmacêutica no Brasil?
Dra
Barcellos - No Brasil,
a indústria farmacêutica não realiza a síntese das substâncias, ela adquire o
princípio ativo e faz o produto final, dependendo, para tanto, de fornecedores
internacionais como a Índia e a China. Segundo a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), a Eurofarma, e outras três empresas possuem o registro para
produzir a penicilina benzatina.
Aparentemente,
o que ocorreu foi uma redução de fornecedores mundiais da penicilina nos
últimos anos e a necessidade de buscar outras opções. O Ministério da Saúde tem
se manifestado explicando que o problema é resultado da escassez mundial no
suprimento de matéria-prima acrescido de problemas pontuais da qualidade da
penicilina produzida.
BBC
Brasil - Você acredita que poderia ter ocorrido uma asfixia intencional da
oferta de penicilina por parte das farmacêuticas para elevar o preço?
Dra
Barcellos - Creio
que os motivos são múltiplos e esse seria um deles a compor com as questões que
já mencionei.
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