O demônio espinhento da Austrália tem sulcos para
captar o orvalho
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De
acordo com a Nasa, a agência especial americana, 2016 poderá entrar para a
história como o ano mais quente já registrado. E, com altas temperaturas, vêm
as secas: a região oriental do Mediterrâneo, por exemplo, passa pela pior
estiagem em 900 anos.
A
escassez de água afeta homens e animais. Nós normalmente perdemos cerca de
quatro a nove copos d'água por dia, através de urina, fezes, respiração e suor.
Se
não bebermos o suficiente para satisfazer nossa sede, o custo pode ser alto. Os
sintomas da desidratação vão de cansaço, dores de cabeça, e dores musculares à
taquicardia e perda de consciência.
Animais
também sofrem. Mas algumas criaturas, principalmente as que vivem em ambientes
de seca sazonal, contam com mecanismos engenhosos para lidar com a aridez.
Caixa d'água
Alguns
animais usam tanques internos. Tartarugas, por exemplo, armazenam água em suas
bexigas. Quando chove ou têm acesso a folhas verdes, os répteis aproveitam para
encher o tanque e podem extrair a água em tempos mais secos, usando as paredes
permeáveis da bexiga.
Por
isso, cientistas alertam para que essas tartarugas sejam manuseadas com
cuidado. "Se você pegar uma tartaruga e perturbá-la o suficiente,
eventualmente terá uma poça no chão - basicamente derramará o cantil
dela", explica Glenn Walsberg, da Universidade Estadual do Arizona, nos
EUA.
Tartarugas armazenam água na bexiga
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Já
uma espécie australiana de sapo, batizada justamente de retentora, guarda água
não só na bexiga, mas também nas guelras e mesmo em tecidos internos. Este
anfíbio chega a duplicar seu peso, mas compensa com o fato de que pode passar
até cinco anos sem beber.
A
ironia é que sapos que retêm água podem acabar servindo como um cantil para
predadores - cobras, pássaros, crocodilos e cães selvagens, por exemplo. Ou
mesmo seres humanos - na Austrália, por exemplo, a tribo aborígene Tiwi mata
sua sede no período de seca capturando os sapos e os espremendo sobre a boca.
Cobertura de gosma
Outras
criaturas criaram outras maneiras de evitar a desidratação. Nos desertos da
América do Norte, por exemplo, os sapos pé-de-pá usam as patas para cavar tocas
em que se escondem por pelo menos nove meses do ano.
Lá,
envolvem-se em uma membrana de muco para conservar água. "Eles só saem
quando começa a chover de novo", explica Walsberg.
Rãs
arbóreas nas Américas do Sul e Central reduzem a perda hídrica através da
secreção de um material ceroso impermeável em sua pele.
Como
parte de um experimento, Walsberg uma vez guardou um sapo em uma caixa de
sapatos por meses a fio. "Quando abri a caixa, encontrei algo que parecia
um sapo mumificado. Adicionei água, e o sapo se reidratou, largou sua pele e
estava totalmente bem."
O
peixe pulmonado australiano, que se assemelha a uma enguia, vive em águas rasas
de mangues e brejos. Quando a água seca, ele simplesmente vai para terra firma
e passa a respirar pelo ar em vez da água.
A
espécie tem uma bexiga que se transforma em um pulmão e secreta uma camada
gosmenta para minimizar a perda de líquido. Essa membrana permite que o peixe
possa passar meses em terra, dormindo em um estado de animação suspensa por até
cinco anos, sem precisar de comida ou água. Só acorda quando as águas voltam.
Ratos-de-bolso extraem água de sementes
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Só comida
Para
alguns animais do deserto, a comida é frequentemente uma das melhores fontes de
água, e que pode ser armazenada mais facilmente que líquido.
Ratos
norte-americanos, como o rato-de-bolso mexicano, coletam sementes em tempos
úmidos e vivem delas pelo resto do ano. "Eles sobrevivem com esse estoque
até que mais comida esteja disponível", explica Mary Price, da
Universidade da Califórnia.
Esses
roedores passam os dias quentes escondidos em suas tocas, comendo as sementes,
saindo da toca apenas à noite. As sementes são ricas em carboidratos e delas os
ratos produzem "água metabólica", o que torna desnecessário beber
água.
Se
você deixar um rato-de-bolso e um punhado de sementes em um pote durante um
ano, quando você voltar encontrará metade fezes, metade semente e um rato
vivendo normalmente", completa Walsburg.
Se
ratos se valem de carboidratos para produzir água, mamíferos maiores têm a
gordura como fonte. Camelos são um bom exemplo.
Para
cada grama de gordura que metaboliza, consegue pouco mais de 1 ml de água.
Sendo assim, em vez de armazenar água em suas corcovas, eles usam gordura - até
36kg dela.
Algumas espécies de rãs acabam virando
alvo justamente por armazenarem líquido
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Se
a gordura é uma boa fonte de água, é tentador estranhar não vermos animais
obesos se arrastando pelo deserto.
No
entanto, animais com gordura mais distribuída sofreriam para se manterem
refrescados, porque a gordura é um isolante térmico. Por isso, por exemplo, é
que o camelo concentra seu depósito nas corcovas.
Tapando vazamentos
A
maioria dos animais do deserto é "avarento" no que diz respeito ao
consumo de água.
Os
ratos-cangurus, por exemplo, têm rins capazes de extrair água da urina antes de
se livrarem dela. Suas fezes são compostas de menos de 50% de água, muito mais
seco que o normal.
Suar
e ofegar pode ajudar animais a se refrescarem, mas também resultam em perdas de
água. Para driblar isso, camelos não ofegam e têm menos glândulas sudoríferas,
mas ainda assim conseguem variar sua temperatura em até seis graus em um dia.
"Nós
humanos gastamos muita energia para manter nossa temperatura corporal perto de
38°C. Os camelos têm menos limites de regulagem de sua temperatura, o que é um
grande método para diminuir a dependência de água", explica Walsberg.
Camelos
e ratos-cangurus, assim como avestruzes, contam ainda com um sistema
respiratório que os ajuda a respirar menos ar.
O
ar nos pulmões de um rato-canguru, por exemplo, é quente e saturado com água,
mas a ponta de seu nariz é fria. No meio do caminho, há uma passagem de ar que
é como um labirinto e, à medida que o ar sai dos pulmões para atmosfera, o
vapor d'água se condensa na membrana do nariz do rato e se torna água, em vez
de expirada.
Camelos e
dromedários processam água da gordura armazenada nas corcovas
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Em
suas tocas, o vapor d'água que escapa acaba preso nas paredes da toca e
respirado novamente.
Pegue-me se puder
Se
alguns animais conservam água, outros buscam apanhar cada gotinha que puderem.
Um
exemplo é o demônio espinhento, uma espécie de lagarto australiano que consegue
beber com sua pele. Os espinhos que cobrem seu corpo estão repletos de sulcos
que atraem umidade, incluindo orvalho. Um sistema de canais leva a água até a
boca do animal, que suga as gotas.
A
perdiz-de-areia, espécie de pássaro dos EUA, armazena pequenas quantidades de
água em suas penas. Algo essencial, já que elas volta e meia fazem seus ninhos
a até 50km de fontes de água. Quando uma perdiz macho vê um lago ou uma poça,
ela se senta nela, para que as penas do abdômen sirvam como uma espécie de
esponja. "Daí, voltam para o ninho e os filhotes extraem a água das
penas", explica Price.
Em
desertos próximos ao mar, como o da Namíbia, na África, a névoa matinal pode
ser um alívio.
Uma
espécie de besouro, o toktokkie, deixa ela se condensar contra seu corpo e se
transforme em gotículas que matam sua sede.
E
se ficar mais seco?
A
incrível capacidade das criaturas do deserto de se adaptar a condições áridas
não significa que esses animais poderão sobreviver a mudanças climáticas que
tornem seus habitats mais secos. A chuva, por exemplo, estimula a produção de
plantas, fonte de alimentação para os ratos, por exemplo.
"Mas
se os intervalos de produção de alimento rarearem, os roedores não terão vida
fácil", explica Price.
A água nem sempre está à disposição em regiões
mais áridas
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Walsberg
diz já ter testemunhado mudanças nas populações de certas espécies, como rãs.
Para ele, é difícil prever como as secas vão afetar os animais já adaptados à
escassez de água.
Ele
trabalha todos os anos no Deserto Sonoran, o mais quente da América do Norte. É
casa para 60 espécies de mamíferos, 350 de aves, 20 de anfíbios e 100 de
répteis. Em julho, o local por vezes passa por ondas de calor que elevam a
temperatura para até 49°C.
"Quando
faço trabalho de campo nessa época do ano, o deserto fica distintivamente mais
quieto. Fico me perguntando se os animais estão mudando de comportamento ou
simplesmente mortos."
Leia a versão
original dessa reportagem (em inglês).
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