É uma
manhã de sexta-feira em Hong Kong, e o chamado para as orações na Mesquita de
Jamia se mistura ao clique-claque de outro cartão postal: a Escada Rolante
Central.
Trata-se
do mais extenso sistema de escadas rolantes do mundo, que conecta o Distrito
Financeiro com as ruas residenciais do bairro Mid-Levels.
Escadas rolantes foram a maneira que Hong
Kong encontrou para vencer desafios do relevo
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Em Hong
Kong, escadas rolantes são um meio de transporte público: a Escada Rolante
Central-Mil Levels, por exemplo, transporta 85 mil pessoas por dia.
Nas
manhãs, por exemplo, fiéis muçulmanos a utilizam para ir à mesquita. Mas 12
horas mais tarde, a cena muda de vez: um rugido de música e conversas em voz
alta escapa dos bares de boates.
É nesse
horário que a escada rolante mistura trabalhadores de escritório terminando a
longa jornada do dia com a turma que se prepara para a noitada.
Colina acima
Cidades
com colinas sempre encontraram maneiras criativas de transportar seus cidadãos
por terrenos mais acidentados.
São
Francisco, por exemplo, tem os bondes. Lyon e Barcelona, os funiculares. E o
Rio de Janeiro acena com os teleféricos. Mas Hong Kong foi a primeira a usar a
escada rolante como transporte.
Quando o
território se tornou uma colônia britânica, em 1842, o então governador-geral,
Henry Pottinger, idealizou uma cidade grandiosa, localizada em uma parte mais
plana da ilha, e com canais ao estilo de Veneza para transportar pessoas e
produtos.
Os
planos, porém, foram frustrados pelos militares de Sua Majestade, que ocuparam
uma larga extensão das terras baixas e forçaram a construção da cidade entre as
colinas íngremes do lado ocidental.
Sistema Central-Mid Levels foi
inaugurado em 1993
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Os ricos
de Hong Kong se habituaram a construir mansões e casarões nos Mid-Levels, um
cinturão de terra plana no Monte Vitória, a montanha de 553 metros que domina a
ilha.
Isso
começou a mudar apenas na década de 70, quando um boom na construção civil se
aproveitou de uma legislação de planejamento urbano leniente e cobriu as
encostas com arranha-céus.
Em meados
da década seguinte, a área estava superlotada, com uma população de 45 mil
pessoas prevista para dobrar nos 20 anos seguintes. Diariamente, o esgoto de
canos sobrecarregados vazava para as galerias pluviais. As ruas do distrito
estavam entupidas de carros, táxis e ônibus.
A solução
apresentada pelo governo da ilha foi idealizar uma rede de escadas rolantes e
esteiras que poderiam carregar os pedestres ladeira acima.
"Traçamos
os planos em 1984, e a ideia era que as pessoas usassem o sistema em vez de
dirigir ou pegar táxis para ir ao trabalho, o que reduziria os
congestionamentos", explica o arquiteto Remo Riva, diretor da P&T,
empresa de arquitetura e urbanismo que prestou consultoria para Hong Kong.
O
projeto-piloto aprovado envolvia 20 escadas rolantes e três esteiras, que se
espalhariam por 800 metros de extensão e subiriam 150 metros. De manhã, elas
funcionariam no sentido de descida para a hora do rush - e passariam a subir a
partir de 10h30.
Controvérsias
À época,
lojistas ao longo da rota odiaram o plano e pediram indenizações pela perda de
potenciais clientes.
O jornal South
China Post fez um trocadilho com a famosa canção do grupo de rock britânico
Led Zeppelin e descreveu o projeto como uma "escadaria para o
inferno".
Outro
apelido jocoso para o sistema foi "lagarta hightech", em alusão aos
atrasos na construção. E, para alguns moradores, a inauguração da escada
rolante, em 15 de outubro de 1993, foi sinônimo de um eterno zumbido à noite.
Obra causou tensões em Hong Kong e
estourou em várias vezes o orçamento
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A obra
custou US$ 28 milhões (R$ 89 milhões), estourando em mais de seis vezes o
orçamento original.
Mas
hordas de passageiros quase provocaram tumultos no primeiro dia de operação. E
mais de 20 mil pessoas passaram a usar o serviço por dia.
O
problema é que logo ficou claro o efeito absolutamente insignificante do
sistema nos engarrafamentos.
"Talvez
tenha um pouco irrealista esperar que a escada rolante reduzisse
substancialmente o fluxo nas ruas", disse, durante uma audiência na Câmara
Legislativa, o então secretário de Transportes de Hong Kong, Haider Barma.
Mas ela
tornou a rotina de muita gente mais conveniente. Mesmo judeus ortodoxos se
dirigindo à sinagoga de Robinson Road receberam autorização para usá-la aos
sábados - o dia sagrado em que não é permitido dirigir, de acordo com a Lei
Judaica.
E o
sistema foi bastante bem-sucedido em um aspecto: valorizou o mercado
imobiliário. Bairros em seu percurso hoje são alguns dos mais caros em Hong
Kong.
Se
motoristas não mudaram seus hábitos, usuários do transporte coletivo adotaram a
escada rolante, que virou também uma atração local e internacional, o que
alavancou a transformação de Mid Levels em uma região boêmia.
Hong Kong foi construída em terreno
montanhoso
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Isso
ajuda a explicar o porquê de, apesar da Escada Rolante Central-Mid Levels,
autoridades de Hong Kong aprovarem a construção de um novo sistema em Centre
Street.
Quando
esse link finalmente ficou pronto, em 2013, os preços de aluguéis comerciais na
região dobraram. E embora a escada rolante tenha apenas 200 metros de extensão,
mas de 27 mil pessoas a usam diariamente para "escalar" uma das ruas
mais íngremes da ilha.
Porém,
quando outro projeto foi proposto para Pound Lane, moradores resistiram à
ideia, temendo que a construção fosse trazer multidões e arranha-céus para uma
área ainda marcada por estreitas ruas para pedestres.
E há uma
má notícia para as dezenas de milhares de pessoas que usam diariamente a
Central-Mid Levels: elas terão de buscar uma alternativa no ano que vem, quando
o sistema passará por uma rigorosa manutenção para a substituição de peças
desgastadas por 25 anos de uso diário.
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