"Nem
os homens foram feitos para mandar... Nem as mulheres nasceram para
obedecer". Ilustração do livro 'As mulheres e os homens', de Luci
Gutiérrez.
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Uma lista de obras para os pequenos que inspira conversas francas sobre quase tudo.
Política
e religião podem ser assuntos proibidos numa mesa de bar, na opinião de alguns,
mas não são em casa, nem na escola, se o programa é ler com as crianças. Livrarias
(físicas e virtuais) andam cheias de títulos sobre temas que os grandes
consideram complexos – de direitos humanos a sexo, passando por questões de
gênero e de raça –, mas que os pequenos encaram com a naturalidade e a
curiosidade de sempre.
Apesar de
soarem a novidade, esses livros sempre estiveram aí, à disposição daqueles pais
e educadores que tratam crianças como o que elas são: participantes deste
mundo. O que faz, então, que listas de literatura infantil sem papas na
página estejam pipocando nos últimos tempos? Na leitura de Cristiane
Tavares, mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, essa avalanche
se intensificou graças ao momento que vivemos.
“Há uma
crise política e econômica mundial, e isso leva a sociedade muitas vezes a um
retrocesso a pensamentos conservadores. A literatura sempre tratou das grandes
questões humanas e é uma possibilidade de as crianças experimentarem o
sentimento de alteridade, de colocar-se no lugar do outro”, diz Cristiane,
coordenadora do curso de pós-graduação Livros, crianças e jovens: teoria,
mediação e crítica, do Instituto Superior Vera Cruz. “Recorrer à leitura é
uma ótima maneira de tratar de assuntos complexos com as crianças”, diz.
'Frida
Kahlo para meninas e meninos'.
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Quem
reage melhor a essa necessidade são as pequenas editoras, explica a
especialista, com linhas editoriais mais pautadas pela qualidade e menos pelo
sucesso comercial, portanto lançam os títulos mais atraentes. Mas dá para falar
com criança sobre qualquer assunto?
O
primeiro a se dizer, lembra Cristiane, é que não existe “criança” como
categoria única. Além das idades, variam os gostos e os repertórios que vão
permitir que elas se aproximem mais ou menos de determinada história. Para ela,
no entanto, limites não há, nem mesmo de faixa etária, apenas bom senso. “As
crianças dialogam melhor com os livros que respeitam sua inteligência e seu
livre pensar, e um livro que respeite isso terá aceitação maior. Mas não
existem assuntos proibidos, só leitores diferentes e formas mais adequadas de
apresentar um conteúdo. Em geral, quanto menos infantilizado ele for,”.
Em suma,
você pode apresentar um livro que trate de democracia ao seu filho de cinco
anos e, ao final, ele pode relacionar o que leu, por exemplo, ao recreio da
escola, com suas regras e liberdades. A leitura terá cumprido seu papel, sem
necessidade de que ele saia com qualquer definição pronta do que é democracia.
O importante para potencializar a experiência – Cristiane Tavares acha
importante ressaltar – é conversar sobre o que se leu. “Os grandes teóricos da
leitura costumam dizer: leitura pressupõe interação”.
uma
seleção de livros infantojuvenis para dar a largada em uma conversa franca com
as crianças sobre quase tudo.
'A democracia pode ser assim', de Marta Pina (Ed.
Boitempo)
A hora do
recreio e do jogo foram o ponto de partida escolhida pela autora deste livro
para introduzir os pequenos leitores à cidadania. Ele fala o que são
eleições e os partidos políticos e aborda a importância do voto, passando pelos
direitos humanos e pela livre circulação de informação, que ajuda a manter as
liberdades. É o primeiro volume da Coleção Livros para o Amanhã, que discute a
maneira como as pessoas se relacionam em sociedade, dentro do selo
infanto-juvenil Boitatá, grande acerto da editora Boitempo.
'A história de Julia – E sua sombra de menino', de
Cristian Bruel, Anne Galand e Anne Bozellec (Ed. Scipione)
Falar de
gênero e identidade com as crianças fica mais fácil com uma história
como a que esses três autores criaram. Nela, Júlia é criticada pelos pais, que
sempre dizem que ela se parece com um menino e que deveria agir de maneira mais
feminina. Certo dia, a sombra da menina adquire o formato de um garoto,
e ela fica triste, passando a questionar a si mesma diante das expectativas do
mundo.
'Migrar', de José Manuel Mateo (Ed. Pallas)
Na
história de imigração contada neste livro, um irmão e uma irmã viajam
com sua mãe, conseguem cruzar a fronteira do México para os Estados Unidos, mas
não sabemos o que acontecerá com eles. O objetivo aqui é mostrar a realidade de
milhares de meninas e meninos que viajam a outro país, muitas vezes
desacompanhados, em busca de trabalho, de uma vida mais pacífica ou,
simplesmente melhor. Publicado primeiro por uma editora mexicana, foi ilustrado
por Javier Martinez Pedro, um mestre da iconografia mexicana.
'O pássaro amarelo', de Olga de Dios (Ed. Boitempo)
Um
pequeno pássaro amarelo tem as asas pequenas, e isso lhe impede de voar, ainda
que facilite seu talento para inventar e construir coisas. É o que ele termina
fazendo, então, para achar uma solução que permite que ele viaje, como aqueles
pássaros que não têm deficiências físicas. O melhor é que pássaro
amarelo compartilha livremente suas ideias, o que torna esse livro do ótimo
selo Boitatá uma desculpa para falar, além de superação, de compartilhamento de
saberes.
'Frida Kahlo para meninas e meninos', de Nadia Fink
(Ed. Sudestada)
Nessa
biografia de Frida voltada ao público infantil, a pintora mexicana é retratada
como uma autêntica antiprincesa: uma mulher que mostrou o corpo embora fosse
manca e que pintou em uma tela os momentos mais tristes e mais felizes de sua
vida. O livro é parte de uma coleção criada por uma editora argentina, da qual
fazem parte grandes protagonistas da cultura latino-americana, como a cantora
chilena Violeta Parra e a escritora brasileira Clarice Lispector. É uma
ferramenta ideal para debater feminismo, luta de classes e arte
com as crianças.
'Quem manda aqui?', de Larissa Ribeiro, André
Rodrigues, Paula Desgualdo e Pedro Markun (Ed. Companhia das Letrinhas)
As
diversas formas de controle e poder aparecem nesse livro, que é um destaque dessa
literatura infanto-juvenil que não o que parece complexo. Desde sempre, as
mentes das crianças vão sendo povoadas de histórias de reis e rainhas, mestres
e aprendizes, sem que ninguém parece para explicar os variados modelos
de organização política do mundo. O título, que opta politicamente por
tratar o coletivo sempre no feminino, é fruto de seis oficinas realizadas com
crianças, em que foram compartilhadas, de uma maneira bem divertida, noções
sobre modos de governar e tomar decisões.
'As mulheres e os homens', de Luci Gutiérrez (Ed.
Boitempo)
O
clássico “meninas gostam de rosa e meninos, de azul” é desconstruído de maneira
divertida nesse livro que trata de gênero – mais um da coleção Livros
para o Amanhã, do selo Boitatá. Com essa leitura, as crianças se aproximam
da desigual realidade em que vivemos: as mulheres continuam sofrendo muita
discriminação no mundo todo e ainda são poucas ocupando cargos de grande
responsabilidade e liderança, mesmo estando tão preparadas quanto os homens. De
quebra, promove uma discussão sobre a divisão das tarefas domésticas, onde
podem ser dados os primeiros passos rumo a uma sociedade mais igualitária.
'Lagartos verdes x Retângulos vermelhos', de Steve
Antony (Ed. Rovelle)
Dois
grupos aparentemente muito distintos – uns são inteligentes, outros são fortes
– querem se derrotar. Será que para eles é tão difícil assim aceitar as diferenças?
Conseguirão encontrar uma maneira de viver em paz? Esse livro propõe uma
reflexão sobre por que muitas vezes nos incomodamos com o que é diferente de
nós. E que é possível, sim, combinar os talentos e deixar de brigar.
'O pequeno fascista', de Fernando Bonassi (Ed. Cosac
Naify)
Esse
título de Fernando Bonassi, nome forte na literatura em geral, assume o que
alguns preferem não apontar: que a infância nem sempre é um lugar puro, livre
de maldades. O escritor brasileiro conta a vida de um menino – da
barriga materna até se tornar líder da turma –, operando pelo avesso, com um
protagonista que só dá maus exemplos. Tudo se passa num espaço urbano hostil,
árido e vigiado onde crescem milhares de adolescentes na periferia do mundo.
Sem dúvida, uma leitura provocadora, que pede interação entre pequenos e
grandes.
'Malala, a menina que queria ir para a escola', de
Adriana Carranca (Ed. Companhia das Letrinhas)
Malala
Yousafzai, a garota do Paquistão que hoje conhecemos pelo prêmio Nobel da Paz
que ela ganhou em 2013, quase perdeu a vida por querer ir para a escola. A
jornalista Adriana Carranca conta sua história nesse livro, batizado de o
primeiro "livro-reportagem para crianças", e ainda por cima dá
importantes noções de direitos humanos ao leitor.
'Um outro país para Azzi', de Sarah Garland (Ed.
Pulo do Gato)
“Às
vezes, o barulho das metralhadoras nos helicópteros era tão alto que as
galinhas ficavam assustadas e paravam de botar ovos”, conta a protagonista
desse livro sobre uma família do Oriente Médio, que se vê obrigada a fugir
quando a guerra começa a afetar sua rotina. A autora não especifica o
país da personagem, com o objetivo de tornar a história um elo universal com
todos as pessoas que passam por conflitos territoriais ou têm interesse em
saber sobre eles.
'El abrazo', de David Grossman (Ed. Sexto Piso)
Solidão é muitas vezes algo difícil de
entender, não só quando se é criança. Estar sozinho em certos momentos pode ser
bom, mas assusta; vivemos juntos, mas decidimos por nós. O escritor israelense
conta no livro O abraço (ainda sem tradução ao português, mas com a
opção para os brasileiros de ser lido em espanhol) como um menino questiona sua
mãe sobre ser “único no mundo”, coisa que o faz sentir-se só. Tudo começa com
um típico elogio materno (“você é lindo... igual a você só tem você no mundo”)
e termina com a bela explicação de que estamos juntos, porém separados, e que
esses lados aparentemente desconexos sempre se completam num carinhoso abraço.
Fonte: - Camila
Moraes - EL PAÍS
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