Alta
concentração de pessoas em cidades com casos de vírus zika preocupa
infectologistas
|
A
passagem de milhares de turistas por capitais com tradicionais carnavais de rua
em Estados com alto número de casos de bebês nascidos com microcefalia e
suspeita de ligação com o zika vírus pode representar um "coquetel
explosivo" e ajudar a espalhar ainda mais a doença pelo país, alerta a
Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Até o momento há 3.530 casos de
microcefalia relacionados ao zika em 21 Estados.
Para
os especialistas, o Carnaval reúne fatores de risco preocupantes para o aumento
da transmissão do zika, num momento em que a epidemia ainda se encontra em
curva de ascensão no Brasil.
O
alerta se soma a um comunicado da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS,
escritório regional nas Américas da Organização Mundial da Saúde), que nesta
segunda-feira relatou aumento de casos da síndrome de Guillain Barré em países
com epidemias de zika. Em julho de 2015, 42 pessoas foram confirmadas com a
doença, que causa problemas neurológicos, na Bahia.
O
"coquetel explosivo" do Carnaval inclui, segundo os infectologistas,
as grandes aglomerações de pessoas, em geral com poucas roupas e mais
vulneráveis às picadas do Aedes aegypti (mosquito transmissor da dengue,
chikungunya e zika), possibilidade de chuvas, maior quantidade de lixo nas ruas
e por consequência mais chance de potenciais criadouros do mosquito.
Isso
se soma ao maior número de relações sexuais sem proteção e risco de gestações
indesejadas justamente nos locais de maior incidência do vírus relacionado à má
formação fetal, dentre outras consequências ainda pouco conhecidas.
Segundo
o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, dos 3.530 casos de
microcefalia relacionados ao zika em todo o país, 1.236 estão em Pernambuco,
primeiro Estado a identificar o aumento do problema, onde foi decretado o
estado de emergência desde novembro. Em segundo está a Paraíba, com 569 casos,
e em terceiro a Bahia, com 450 ocorrências. O Rio de Janeiro fica em 9º lugar,
com 122 casos.
A
BBC Brasil ouviu infectologistas sobre os alertas e a preocupação com o
potencial de aumento da epidemia, e questionou como estão os esforços de
prevenção e contenção do problema junto ao Ministério da Saúde e às prefeituras
de Recife, João Pessoa, Salvador e Rio de Janeiro - capitais com expressivos
carnavais de rua que atraem milhares todos os anos e onde há forte presença do
Aedes aegypti e de casos de microcefalia.
Alerta, riscos e
“coquetel explosivo”
Nancy
Bellei, coordenadora de virologia clínica da SBI, cita a preocupação com a
transmissão sexual devido a um estudo de 2011 que teria documentado como um
cientista americano vindo do Senegal, que passava por um surto de zika, teria
transmitido a doença para a mulher, nos Estados Unidos, através do sêmen.
"Ainda
precisamos de mais estudos sobre a relevância epidemiológica dessa forma de
transmissão, mas até pouco tempo também não sabíamos da ligação entre o zika e
a microcefalia. É uma doença nova, sobre a qual ainda não se sabe muito. Não
precisamos esperar para nos protegermos. Não se pode descartar a chance de
termos até um aumento de casos de zika após o Carnaval justamente pelo contato
sexual", diz.
Nancy
explica que o potencial de propagação do zika devido ao Carnaval também depende
da existência do mosquito nos locais de origem dos turistas.
"Se
a pessoa vai para uma capital com grande Carnaval de rua, é picada e infectada
pelo zika e volta para sua cidade mas lá não há o mosquito, ela vai adoecer, se
tratar, e tudo bem. Agora, se o local de origem tiver o Aedes, o mosquito pode
picar essa pessoa, receber o vírus e introduzir a doença num local até então
livre dela", explica.
Segundo
a especialista, o Aedes é encontrado em todos os Estados, mas a região Sul
estaria menos vulnerável, por ter clima mais frio e tradicionalmente apresentar
menor incidência do mosquito.
Especialista
alerta que foliões que forem para áreas afetadas pelo mosquito Aedes aegypti
procurem atendimento se tiverem febre.
|
A
pesquisadora Elaine Miranda, professora da Escola Nacional de Saúde Pública, da
Fiocruz, no Rio de Janeiro, concorda que o alerta é oportuno e diz que, dadas
as características de massa de um evento como o Carnaval, quando a capacidade
de resposta das unidades de saúde tende a ser superada, é crucial que as
cidades estejam preparadas para receber milhares de foliões em meio a uma
epidemia em curso.
"Medidas
de controle já vêm sendo implementadas em todas as capitais referidas. No
entanto, a complexidade do controle do mosquito e consequentemente da
transmissão do vírus vai muito além de medidas pontuais e pensadas para eventos
de massa, tais como o Carnaval", avalia.
A
virologista Nancy Bellei, da SBI, diz que é primordial que se faça um alerta
muito claro. "Eu acho um erro ignorar estes riscos e não fazer um grande
alerta. O Brasil tem essa cultura, de que se você fala a verdade está
disseminando o pânico. Em outros países é diferente", diz.
Para
ela, é importante deixar claro que as pessoas estão viajando para uma área de
alta infestação de Aedes aegypti, e que se voltarem para casa com febre sem
nenhum outro sintoma de infecção precisam procurar atendimento médico para
serem investigadas para dengue, chikunguya ou zika.
Precaução e
recomendações
Na
visão das especialistas é importante que as pessoas tentem se proteger e tomem
medidas de precaução durante o Carnaval. Elas também cobram medidas do
Ministério da Saúde e das prefeituras de grandes capitais acostumadas a receber
milhares de turistas.
"Práticas
educativas e de alertas para os foliões são tão bem-vindas como são estas
mesmas práticas para a população em geral. Sem dúvida todos devem ser
orientados a agir em seu próprio benefício suscitando assim, uma mudança de comportamento
e consequente redução da vulnerabilidade", diz Elaine Miranda, da Escola
Nacional de Saúde Pública.
Para
os foliões, as principais recomendações são colaborar no controle do mosquito,
evitando deixar água parada, além do uso de preservativos nas relações sexuais.
O uso de repelentes pode ajudar, desde que o produto seja reaplicado conforme
as orientações do fabricante. Usar calça e camisas compridas também pode
ajudar, diminuindo a área exposta ao mosquito - algo difícil de ser colocado em
prática em meio às altas temperaturas dos blocos de rua.
Quanto
às prefeituras, as especialistas recomendam ações intensificadas de controle do
mosquito, além de uma preparação das unidades de saúde pública e cartilhas
informativas, alertando sobre riscos e a necessidade de se proteger, além das
orientações de procurar atendimento médico o mais rápido possível em caso de
febre sem indicações claras de outras infecções.
Consultado
pela BBC Brasil, o Ministério da Saúde diz que tem fortalecido a capacidade de
atendimento e articulação do SUS em cidades que recebem grande influxo de
turistas e que o país está habituado a sediar eventos de massa com sucesso,
tais como a Jornada Mundial da Juventude e a Copa do Mundo.
Em
nota, o ministério também destacou o site www.saude.gov.br/viajante, no ar
desde maio de 2013, onde há dicas de prevenção e cuidados durante viagens para
brasileiros e estrangeiros nos idiomas português, inglês, espanhol e francês.
Ministério
do Turismo alerta turistas para que não deixem que suas casas virem criadores
de mosquito quando estiverem fora
|
O
governo também cita um comunicado especial enviado pelo Ministério do Turismo
no início de janeiro a 56 mil hotéis, bares e restaurantes, agências de viagens
e transportadores turísticos em todo o país acerca dos cuidados com a
proliferação do Aedes aegypti e os riscos da dengue, chikungunya e do zika
vírus.
"No
material estão listados as medidas que devem ser tomadas nos locais com potencial
para proliferação do mosquito como jardins, quintais, cozinhas, depósitos,
animais de estimação e banheiros. Como os meses de janeiro e fevereiro são de
alta temporada no Brasil, o Ministério do Turismo também tem orientado o
turista, antes de viajar, a ficar atento para evitar que a própria casa
transforme-se em um criadouro para o mosquito. São informações como cuidados
com a piscina, geladeira e caixa d'água", acrescenta a nota.
Saiba
o que cada cidade planeja:
1. RECIFE
A
capital do Estado mais afetado pelo zika até o momento, com 1.236 casos de
microcefalia relacionados ao vírus e estado de emergência decretado desde
novembro tem um dos carnavais de rua mais agitados do país. Em 2015 foram mais
de 1 milhão de foliões, aumento de 17% em relação a 2014. A prefeitura informou
as seguintes medidas à BBC Brasil:
Intensificação
do combate ao mosquito desde o primeiro semestre de 2015; reforço das Forças
Armadas ajudou a controlar a epidemia em junho; índice LIRAa (Levantamento
Rápido de Índice de Infestação por Aedes aegypti), de infestação vetorial, se
encontra em 1,1 para cada cem casas, mais baixo para meses de janeiro em dez
anos; mutirões para identificar focos do mosquito no circuito do Galo da
Madrugada, centro do Recife e palcos da Prefeitura nos bairros; orientações e
conscientização com 500 organizadores de blocos; panfletagem em todas as
entradas e saídas da cidade e folder bilíngue orientando a procura do
atendimento médico assim que apresentem qualquer sintoma; orientação do uso do
preservativo e prevenção é parte das campanhas, evita também a gestação
indesejada.
2. JOÃO PESSOA
Embora
não esteja entre os maiores carnavais do país, a Folia de Rua, projeto que
agrega dezenas de blocos uma semana antes do Carnaval, reuniu cerca de 300 mil
pessoas em João Pessoa em 2015. Capital do Estado com o segundo maior numero de
casos de microcefalia relacionados ao zika (569), a cidade deve prepara as
seguintes medidas:
Controle
de vetores e ações educativas; de 25 de janeiro a 19 de fevereiro, utilização
do carro "fumacê" nas áreas de concentração e desfiles dos blocos,
rodoviária e estação ferroviária, e em torno dos retiros religiosos; visitas e
batidas de focos em ação conjunta com soldados do Exército Brasileiro; no
último LIRAa registrou-se 0,3 para cada cem casas, indicando um baixíssimo
risco de infestação do mosquito.
3. SALVADOR
De
acordo com o governo baiano, o Carnaval de Salvador reuniu 700 mil foliões em
2015, e somente pelo aeroporto da cidade passaram mais de 35 mil pessoas por
dia durante a festa. Capital do Estado com o terceiro maior número de casos de
microcefalia relacionados ao zika (450), a cidade informou à BBC Brasil as
seguintes medidas:
Ações
desde 4/12/2015, com início das festas, que só se encerram no fim do Carnaval;
Call Center para receber denúncias de focos de mosquito e relatar sintomas,
receber orientações (71 3208 1808); durante o Carnaval há borrifação de
inseticida em torno de todas as UPAs da cidade; cidade conta com 60 máquinas
portáteis de "fumacê", 51 agentes e oito veículos; antes e depois do
período do Carnaval faremos inspeção e borrifação de inseticida em torno dos
palcos em alguns bairros e nos três circuitos oficiais Dodô (Ondina), Osmar
(Avenida Sete) e Batatinha (Pelourinho), incluindo bocas de lobo; trabalho educativo
em aeroporto, rodoviária e no circuito, distribuindo a "mãozinha da
dengue", que serve como um leque, com elástico, e traz diversas
orientações; orientação do uso e distribuição de preservativos, além da
fiscalização do descarte dos banheiros químicos; técnica do bloqueio, quando se
envia uma equipe até a casa da pessoa infectada para borrifar inseticida e
tentar bloquear transmissão para outras pessoas.
4. RIO DE JANEIRO
Carnaval
do Rio de Janeiro levou 4,7 milhões de pessoas às ruas em 2015
|
O
Carnaval do Rio levou 4,7 milhões de pessoas às ruas em 2015, 300 mil a menos
do que os 5 milhões registrados em 2014. Destes, 977 mil eram turistas, segundo
a Riotur. Os maiores blocos da capital do Estado em 9º no ranking de
microcefalia relacionados ao zika, com 122 casos, costumam reunir de 350 mil a
1 milhão de pessoas.
Consultada
pela BBC Brasil, a assessoria de imprensa internacional da Prefeitura não
informou as medidas de controle e prevenção do Aedes aegypti e das três doenças
que ele transmite.
Fonte:
Jefferson Puff - BBC Brasil no Rio de Janeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário