Giovanna
Raquel, 17, parou de tomar os comprimidos depois que teve uma embolia pulmonar
Imagem Erick Dau
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"Pare
de tomar a pílula/ porque ela não deixa nosso filho nascer." Era 1970 e
Odair José cantava sobre os comprimidos que enfim separavam sexo e gravidez.
Depois da revolução sexual da década anterior, a pílula significava liberdade
para muitas mulheres.
Mais
de quarenta anos depois, porém, brasileiras se dizem presas à pílula. Elas
fazem parte de um movimento que vem crescendo nas redes sociais e discute como
parar de tomar esse anticoncepcional e quais são os métodos alternativos a ele.
No Facebook, grupos sobre o assunto chegam a ter 25 mil participantes.
Uma
página, com 80 mil curtidas, ajuda a explicar o motivo: em "Vítimas de
Anticoncepcionais, unidas pela vida", mulheres contam as experiências
negativas que tiveram ao tomar os contraceptivos orais.
Os
relatos vão de mudanças de humor a enxaquecas diárias e casos de trombose
(formação de coágulo dentro de vaso sanguíneo). Segundo a Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária), contraceptivos com drospirenona, gestodeno
ou desogestrel levam a um risco 4 a 6 vezes maior de desenvolver
tromboembolismo venoso em um ano.
Os
laboratórios que produzem as pílulas mais populares no país, Bayer (Diane 35,
Yaz), Eurofarma (Selene) e Libbs (Elani Ciclo), afirmam que os benefícios para
o corpo superam os problemas. Dizem também que os efeitos estão descritos na
bula e, com orientação médica, o uso é seguro. Mesmo assim, as participantes
dos grupos reclamam que o acompanhamento é insuficiente.
Páginas
no Facebook reúnem mulheres que desistiram ou pretendem desistir da pílula
Imagem
Reprodução Facebook
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"Nem
todos os efeitos colaterais são falados pelo médico", diz a designer
Gabriela, 28, que faz parte de grupos de discussão online. Usuária dos
comprimidos desde os 19 anos, ela diz que tinha enxaquecas que duravam semanas.
"Quando
as crises pioraram, eu vomitava. No meu aniversário, foi tão forte que, durante
uma hora, perdi a visão completa de um olho."
Gabriela
foi a vários neurologistas, que a aconselharam a parar com o anticoncepcional
oral. Ela poderia ter uma trombose nos olhos. A recomendação é seguida há dez
meses.
Mudanças de humor
Outra
queixa recorrente são as mudanças de humor, também descritas nas bulas.
Distúrbios psiquiátricos e estados depressivos estão nas contraindicações de
vários medicamentos.
A
relações públicas Carla Costa, 31, tem depressão e diz que, enquanto tomava a
pílula, seu quadro piorava. "Em dois períodos do ciclo menstrual ficava
muito deprimida, encolhida na cama, chorando sem motivo por horas. Isso parou
de acontecer."
Na
última cartela de comprimidos, a publicitária Maíra de Azevedo, 27, diz que
decidiu parar com os hormônios porque seu emocional é como "um trem
desgovernado". "Tenho todos os sintomas: dor de cabeça, enjoo e uma
perda total da libido. Nunca quero saber de ninguém."
A
ação do estrogênio e progesterona sintéticos - presentes na maioria dos
anticoncepcionais hormonais - sobre o cérebro feminino é pouco conhecida.
“Meninas
de 14, 15 anos começam (a ingerir) hormônios e nem entendem como o seu corpo
funciona”, diz Débora - Imagem arquivo pessoal
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No
ano passado, um trabalho da Universidade da Califórnia em Los Angeles indicou
que esses hormônios podem encolher certas regiões do cérebro ligadas ao
controle emocional e alterar seu funcionamento.
Uma
das pesquisadoras responsáveis pelo estudo, Nicole Petersen diz que "o
mecanismo pelo qual isso pode ocorrer é completamente desconhecido neste
momento". Apesar do potencial dano das pílulas, a pesquisadora pondera que
algumas mulheres se beneficiam do uso e têm variações positivas de humor.
Professora
do departamento de ginecologia da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão
Preto, Carolina Sales também destaca os benefícios do medicamento, como a
redução das possibilidades de câncer de ovário e de intestino. Ela atenta que o
uso deve ser acompanhado de um ginecologista. Mas ressalta que nem sempre o
profissional tem informações para a paciente.
"Na
formação (do médico), há contato com poucos métodos. E as consultas são muitos
curtas, o que diminui o tempo de orientação. A pílula é o mais fácil."
Para
Sales, a falta de informação vale também para quem está do outro lado da mesa:
"há um desconhecimento sobre as classes diferentes de hormônios. Elas
colocam tudo no mesmo balaio."
Sem explicações
Todas
as mulheres ouvidas pela BBC Brasil disseram procurar os grupos online -
atitude geralmente pouco recomendada pelos médicos - porque seus ginecologistas
não deram muitas explicações sobre outros métodos ou se recusaram a falar. Lá,
trocam experiências sobre deixar a pílula (o que muitas vezes leva aumento de
acne, oleosidade da pele e cabelos) e aprendem como funciona o DIU (dispositivo
intrauterino), os métodos de percepção da fertilidade e a camisinha feminina.
"Na
última vez, quando tentei largar o anticoncepcional, acabei trocando de pílula.
Fui a vários médicos e sempre tenho a percepção de que queriam empurrar outra
marca", diz Carla Costa, que abandonou o medicamento em novembro.
A
ginecologista Halana Faria, do Coletivo Feminista Saúde e Sexualidade, diz que
os médicos temem correr riscos, já que métodos como o DIU exigem mais tempo e
cuidado. Se não for bem colocado, pode haver perfuração do útero. Além disso,
se a mulher não se proteger nas relações, há chances de infecção.
"O
médico presume que as mulheres não são capazes de manejar isso nas suas vidas.
O discurso é moldado por aquilo que ele considera ser mais confortável. Já
ouvi: 'não coloco mais DIU, por que vou me complicar?'".
Giovanna
Raquel, 17 anos, ficou dois meses internada por causa de uma embolia pulmonar,
que começou com uma dor nas pernas após início de consumo da pílula – Imagem arquivo
pessoal
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As
comunidades na internet também reúnem muitas reclamações sobre ginecologistas
que não pedem exames antes de receitar os comprimidos. As queixas vêm
acompanhadas de relatos sobre problemas sérios de saúde.
Um
dos depoimentos é da estudante Giovanna Raquel, de 17 anos. Ela ficou dois
meses internada por causa de uma embolia pulmonar. Tudo começou com uma forte
dor nas pernas, meses após começar com a pílula. Muitas consultas com
ortopedistas depois, ela descobriu que tinha trombose.
"Um
médico imaginou que fosse uma entorse (lesão nos ligamentos). Outro chegou a me
chamar de manhosa. Disse que a dor não existia."
A
entrevista com Giovanna foi feita por Facebook, já que ela estava de volta ao
hospital. Suspeitava-se que o problema tivesse voltado.
Segundo
os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), a obrigatoriedade de exames
de rotina para rastreamento de trombofilias não é adequada, por causa da
raridade das condições e do custo dos exames.
A
BBC Brasil procurou o Conselho Federal de Medicina e a Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) para saber como os
profissionais deveriam proceder nesses casos, mas não teve resposta até a
publicação desta reportagem.
Tabu
Quando
conseguem informações e decidem parar a pílula, as mulheres têm que explicar
sua decisão para médicos, amigos e família. E esclarecer que isso não significa
um bebê a caminho.
Em
uma consulta, a estudante de relações públicas Nathalia Lira, 21, ouviu de sua
médica que, sem os comprimidos, "logo logo engravidaria".
"Quando
eu dizia que estava satisfeita só com o preservativo, ela pedia um exame Beta
hCG, porque aparentemente eu poderia estar grávida a qualquer momento."
As
amigas da assistente administrativa Renata Peixer, 25, ficaram apavoradas.
"Elas perguntaram: 'Como você faz com seu namorado?' Você fala de DIU e
elas não conhecem."
Prevendo
as perguntas que viriam, a designer Gabriela preferiu não falar. "As
pessoas te julgam muito. Na minha família ninguém sabe, nem na do meu namorado.
Elas acham que vou engravidar e aí a responsabilidade vai ser minha."
Para
quem escolhe os chamados métodos comportamentais, como a tabelinha (abstinência
durante o período fértil) e a observação do muco vaginal (que vai mudando a
cada fase do ciclo), a discussão é ainda maior.
Isso
porque, segundo Febrasgo, OMS e Ministério da Saúde, esses métodos têm
porcentagem de falha entre 1% a 25%. O da pílula vai de 0,1 a 8%.
Por
isso, a ginecologista Halana Faria recomenda o uso combinado com a camisinha ou
o DIU.
Nathalia
desistiu dos comprimidos, mas ouviu da médica que logo engravidaria
Imagem arquivo
pessoal
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É
o que faz a funcionária pública Debora Londero, 26. Apesar de conhecer os
aplicativos para celular lançados com o mesmo propósito, ela é adepta de riscar
as folhas do calendário.
"Notei
esses pequenas mudanças no corpo, que nunca tinha percebido. As meninas de 14,
15 anos começam (a ingerir) hormônios e nem entendem como o seu corpo
funciona."
Halana
Faria vê que a discussão cresceu nos últimos anos, num ambiente mais aberto às
questões feministas e ao controle do próprio corpo.
"Os
médicos dizem 'você está louca, sua mãe usava isso, você é moderna'. Mas não
somos as mulheres que éramos antes. Estamos usando aplicativos para melhorar as
coisas que as nossas avós já faziam."
Fonte:
BBC
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